‘No ultimo dia 30 a Agência Brasil publicou a matéria Governo deve alterar proposta de Comissão da Verdade sobre episódios da ditadura militar, informando, com base em fontes não identificadas, que o governo iria rever a proposta de criação da comissão encarregada de apurar os fatos históricos sobre a repressão durante o regime militar.
A esse respeito, escreveu a leitora Suzana Lisboa: ‘A matéria foi baseada em declarações ou determinações do Presidente Lula? Se não foi, como acredito, serviu pra incendiar a direita criminosa e desinformar completamente a mídia. Quem escreveu não conhece o assunto e muito menos leu a proposta. Um assunto tão delicado ao governo merecia, no mínimo, reparo e cuidado por parte dessa agência. Em especial por ter sido protelado pelo Presidente em seus 7 anos de governo. Esta agência não pode ter posição ou lado – tem que informar!’.
A Agência Brasil respondeu à leitora: ‘Agradecemos o comentário da leitora. A Agência Brasil vem cobrindo ostensivamente a discussão em torno de Lei de Anistia nos últimos anos e não toma partido a priori nessa ou em outras questões. A notícia em questão relata as reações e os mal entendidos que surgiram dentro do governo com o decreto do novo Programa Nacional de Direitos Humanos.
No dia 1º, a Agência Brasil foi o único veículo que falou com o ministro Paulo Vanucchi, da Secretaria de Direitos Humanos, a respeito das reações dos militares e esclarecendo pontos sobre a proposta da Comissão da Verdade.
Note-se que em sua resposta a ABr não disse qual era a origem da informação polêmica, publicada na matéria em questão, que motivou a demanda de Suzana a esta Ouvidoria. A noticia referida pela Agência em sua resposta esclarece a posição da Secretaria Especial de Direitos Humanos mas não esclarece ‘os mal entendidos que surgiram dentro do governo’.
‘Os militares querem incluir todos os envolvidos nos ‘conflitos políticos’ daquela época. Na área militar, teme-se que o trabalho da comissão e o próprio projeto a ser mandado ao Congresso alterem a Lei de Anistia, de forma a punir ex-integrantes do regime acusados de tortura. Eles querem que essa atuação fique restrita à ‘recurepação [sic] histórica’, e não a reparações’, disse a Agência Brasil, sem citar a fonte. Todavia, no final da matéria, informações como essa são atribuídas ao Ministro da Defesa, Nelson Jobim, que eventualmente teria levado a posição dos militares ao presidente Lula. Todavia não há nenhuma fala do ministro entre aspas, nem de nenhum porta-voz oficial, relatando a possível conversa entre ambos.
Além do mais, dificilmente o ministro seria portador de uma posição que ele próprio sabia equivocada, pois na matéria publicada dia 7 de novembro de 2008, Jobim lembra que, segundo a Constituição, tortura não é passível de anistia, o próprio ministro havia declarado não ser necessário alterar a Lei da Anistia para se levar a julgamento, e eventualmente punir, torturadores, conforme reza na Constituição, citada textualmente.
Crises entre setores do governo são comuns ao longo da história. Por vezes ministros e outras autoridades divergem entre si na formulação ou condução das ações, principalmente quando são tratados assuntos polêmicos que refletem antagonismos existentes na sociedade. A questão que se coloca é como que a imprensa cobre esses conflitos, pois frequentemente toma partido ou procura influenciar essas disputas de maneira inexplícita. É aí que mora o perigo de desinformar o cidadão, apresentando especulações sobre a realidade como se a realidade fosse – por trás de versões sempre residem interesses dos grupos que se defrontam. Para não servir de instrumento de manobra ou mesmo de palanque para esses grupos, a imprensa precisa saber separar o que são posições oficiais, publicamente assumidas, e o que são apenas versões, ilações ou fofocas de bastidores, deixando isso claro para os leitores.
Se a origem de uma informação polêmica é mantida no anonimato, os leitores têm todo o direito de duvidar. Foi exatamente isso o que a leitora fez: ‘A matéria foi baseada em declarações ou determinações do Presidente Lula?’. E mais, nesses casos os leitores têm o direito de duvidar não só da informação mas também das intenções do veículo que as publicou; ‘Um assunto tão delicado ao governo merecia, no mínimo, reparo e cuidado por parte dessa agência… Esta agência não pode ter posição ou lado – tem que informar!’. Ou seja, a própria credibilidade do veículo pode ser questionada.
Esse portanto é um preço muito alto para uma agência pública de notícias pagar por uma informação que não contribuiu para esclarecer o cidadão sobre as causas do episódio. Por outro lado, ao repercutir os fatos com pessoas que viveram historicamente a luta contra as violações dos direitos humanos em nosso país, a Agência conseguiu contextualizar o processo e dar sentido aos acontecimentos. Um desses momentos é a entrevista com o jurista e militante dos direitos humanos, Fábio Konder Comparato, publicada dia 15 de janeiro: Jurista critica ‘consciência conservadora’ que coloca propriedade acima da dignidade. Fábio, nem sob a mais feroz repressão política, nunca escondeu suas convicções.
Bastidores são bastidores e as conversas ali travadas devem ali permanecer a menos que seus protagonistas concordem em ser identificados – a democracia, com certeza, agradecerá. Os obscurantismos(*) servem às ditaduras.
Até a próxima semana.
(*) obscurantismo – segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa: ‘Política de fazer alguma coisa com o objetivo de impedir o esclarecimento da massa por considerá-lo um perigo para a sociedade’.’