‘A leitora Daniella Fernandes escreveu: ‘A matéria ‘ONU localiza 446 corpos no Sul da Colômbia e atribui mortes às guerrilhas’ tem problemas. O primeiro deles é que os corpos já haviam sido localizados pelo governo colombiano, que já investiga o caso, O que a ONU fez foi confirmar. E as mortes não foram causadas pela guerrilha, como sugere o título, mas sim por conflitos entre Exército e guerrilhas. O caso dos 446 mortos pode ser de ‘falsos positivos’, o que nem é mencionado no texto.’
Para entender a demanda da leitora esta Ouvidoria primeiro analisou as informações contidas na própria matéria e constatou que, ao contrario do diz a manchete, em nenhum momento a reportagem atribui as mortes ‘às guerrilhas’ mas sim que: ‘As autoridades atribuem as mortes à luta armada entre as forças de segurança do governo da Colômbia e as guerrilhas’. Tampouco diz que a ‘ONU localizou 446 corpos’ mas sim que ‘confirmou que há, pelo menos, 446 corpos não identificados enterrados na cidade de La Macarena, no Sul do país.’
Em face a estas imprecisões e para esclarecer o caso dos ‘falsos positivos’, citados por Daniella, averiguamos quais eram as informações contidas no relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Colômbia a respeito das investigações sobre os corpos não-identificados, enterrados no Cemitério de La Macarena.
Encontramos o informe completo em http://www.ohchr.org, página oficial do organismo internacional. Em um documento de 28 páginas, rico em detalhes históricos dos acontecimentos, contendo inclusive mapas e fotos, são descritas as circunstâncias apuradas pela ONU que retratam os fatos no período entre 2002 e os dias atuais, conforme denúncias de entidades ligadas aos Direitos Humanos e desaparecidos políticos, segundo as quais haveria na região uma vala comum onde se encontrariam cerca de 2 mil corpos.
O assunto já era objeto de investigação por parte da Promotoria Geral da Nação, equivalente na Colômbia ao nosso ministério público, que vem procurando esclarecer o desaparecimento de 1354 pessoas presumidamente vítimas de execuções sumárias por parte do exército colombiano e apresentadas como ‘mortos em combate’.
A vala comum não foi encontrada pela ONU, mas sua existência também não foi totalmente descartada, muito menos a confirmação sobre o possível número total de cadáveres sepultados clandestinamente pelas autoridades policiais colombianas, que pode ser bem maior do que o informado oficialmente.
Como destaca a matéria da ABr, ‘a falta de controle eficaz, de registros adequados sobre as mortes na Colômbia e de detalhes sobre as circunstâncias em que ocorreram’ é uma das principais preocupações do escritório da ONU.
O relatório aponta este descaso com os registros e com a identificação dos corpos, por si só, como uma das graves violações ao direito humanitário internacional. Não há informações sobre a identidade das vítimas, sobre a operação militar em que aconteceu o combate, sobre pertences ou objetos apreendidos e muito menos sobre a localização do sepultamento, conforme preconizam os tratados internacionais dos quais a Colômbia é signatária. As autópsias, quando existem, são extremamente precárias não permitindo saber a causa exata da morte.
Apesar do documento não tratar explicitamente do caso dos ‘falsos positivos’, citado pela leitora como uma omissão de informação por parte da ABr, nele encontramos a seguinte referência: ‘… as investigações proferidas pelas autoridades civis sobre alguns destes casos revelam que sua ocorrência pode estar motivada pela pressão por resultados e no interesse de alguns militares em obter uma série de benefícios e reconhecimentos’ (*) (tradução desta Ouvidoria).
Esta informação coincide com outra que encontramos no site de notícias Opera Mundi (www.operamundi.uol.com.br) em uma série de reportagens (**) que descrevem as circunstâncias dos desaparecimentos: ‘O escândalo dos ‘falsos positivos’ – como são chamados os civis assassinados por militares e contabilizados como guerrilheiros mortos em combate – é o maior da história do Exército colombiano. Desde 2002, foram 2 mil casos. Corpos de civis vestidos com trajes camuflados são apresentados como inimigos mortos em combate, para que os militares obtenham uma série de benefícios e recompensas do Estado.’
A reportagem do Opera Mundi esteve em La Macarena, apesar das dificuldades de acesso à região e do medo que tomou conta da população, entrevistou parentes das vítimas, comandantes dos 20 mil militares baseados no município, alguns moradores e inclusive o coveiro do cemitério.
A Agência Brasil respondeu à leitora: ‘não temos reparo a fazer a matéria. A ONU é a fonte das informações e o texto da matéria diz que a ONU confirma a localização dos corpos.’
Até a próxima semana.
(*) ‘16. Por su parte, las investigaciones adelantadas por las autoridades civiles sobre algunos de estos casos revelan que su comisión pudo estar motivada en la presión por resultados y en el interés de algunos miembros de la fuerza pública de obtener una serie de beneficios y reconocimientos.’ – extraído do Informe de la Oficina en Colombia del Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos: Cementerio de La Macarena, Departamento del Meta – Bogotá, DC, 7 de septiembre de 2010.
(**) – Leia mais em: Onde os mortos não têm nome
Segunda parte: Como transformar um inocente em estatística de guerra
Na véspera das eleições, militares colombianos são condenados por ‘falsos posivitos’
Militares mataram 2 mil jovens pobres para forjar baixas na Colômbia, acusa promotoria’