‘‘‘Quando o jornalista não tem fatos, deve apelar para a criatividade’’
Uma página com duas manchetes e uma edição que misturou a obediência ao Estatuto do Torcedor com crime de roubo, posse ilegal de armas e tráfico de drogas. Assim foi a capa do caderno Gol de segunda-feira (16) no segundo dia de cobertura de um assunto que mobilizou o noticiário da semana envolvendo a Cearamor, uma das maiores torcidas organizadas do estado. Vamos primeiro aos fatos. No sábado, a Polícia recebeu denúncia que um automóvel roubado na Aldeota estava escondido na sede daquela agremiação.
Ao entrarem na sede da torcida, os policiais encontraram, além do veículo – já com placas frias colocadas – drogas e revólveres. Oito pessoas foram presas. Uma só continua detida: o gerente da sede da Cearamor. Os demais não tinham envolvimento. E o que essa sequência de fatos tem a ver com o Estatuto do Torcedor? A editoria encontrou um jeito de fazer essa relação lançando a pergunta: ‘Cearamor tem a relação de seus associados?’.
O texto lembrou a obrigação das Organizadas em ter o cadastro dos sócios, fazendo uma conexão do crime com uma ‘suposta’ irregularidade na agremiação em relação ao estatuto. ‘Depois da detenção de oito pessoas, da descoberta de um carro que havia sido tomado de assalto e da apreensão de quatro armas e 14 quilos de drogas na sede da Cearamor, no bairro Damas, questiona-se – a diretoria da torcida organizada tem a relação com os dados de todos os seus membros associados?’. Nenhum diretor da Cearamor quis falar. Não houve a preocupação de ouvir as torcidas organizadas de outros times e a presunção da inocência foi esquecida. Nesta mesma edição, o projeto gráfico foi ‘atropelado’ desprezando uma das regras básicas do jornalismo: a hierarquização das notícias, ou seja, os fatos de maior impacto ganham mais destaque. Depois desses escorregões, O POVO prosseguiu com a cobertura, ampliando a discussão e relembrando os incidentes entre torcedores envolvendo brigas e arrastões, comuns no estádio Castelão.
Cada um no seu quadrado
Sobre o uso de duas manchetes em uma página, a editora de arte, Andrea Araújo, explica que a decisão foi tomada em função do conteúdo. Mas não será uma constante. ‘Foi uma exceção’, explicou. O jornalista Demitri Túlio, que editou o caderno Gol naquele dia, responde com outra pergunta: ‘Onde está decretado que o jornalismo não pode lançar mão desse recurso? Não acredito numa carpintaria jornalística rígida, fechada em manuais. Como o jornalismo é um fazer cotidiano, se permite também ao novo, porque os fatos merecem olhares diferenciados’. Ótimo, daqui a pouco teremos páginas sem manchetes ou com três de uma só vez. Quem sabe até uma de cabeça para baixo.
Já a conexão que se fez entre o crime e a lista, Demitri diz que ela ajudaria na investigação. ‘Segundo o Estatuto, as Organizadas têm de ter os nomes completos, endereços, telefones, qualificações e fotografias de seus sócios. Isso independe das irregularidades cometidas durante os jogos. É uma informação que poderia ser usada para identificar se os ladrões eram ou não membros da torcida’. Realmente ajudaria. O Estatuto, no entanto, é claro no artigo 39-B: ‘A torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer de seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta’. Fora isso, qualquer confusão é coisa de bandidos e existe lei específica para tal.
Jornal cria nova categoria
A Câmara Federal não votou nada, mas o jornal por sua conta e risco já criou uma nova categoria no sistema de segurança: a Polícia Penal. Na edição da última quarta-feira (18), em matéria secundária da Página 2, O POVO titulou: ‘Policiais penais invadem Câmara’. O texto falava de protesto realizado por agentes penitenciários, em Brasília, pedindo a aprovação da emenda constitucional (PEC 308) que cria a Polícia Penal Federal e Estadual. ‘Que polícia nova é essa?’, questionou a leitora Leilah Ribeiro, sem entender nada. De fato, há razão para isso. A Constituição prevê que a segurança pública é realizada somente pelas Polícias Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, Civil, Militar e pelo Corpo de Bombeiros. O jornal foi na onda do texto que veio de agência noticiosa e errou também.
Troca de filme
O que era para ser um agradável passeio virou dor de cabeça para o leitor Idevaldo Bodião. Baseado na informação do Buchicho Guia e do O POVO Online, foi ao Multiplex Iguatemi assistir a Os Inquilinos, de Roman Polanski. Comprou o ingresso, sentou-se diante da telona, mas assim que começou o filme percebeu algo diferente: o que estava sendo mostrado era uma produção nacional. ‘Fiquei frustrado. Perdi a vontade de ver e fui embora’, afirmou. Ele tem razão. A obra de Polanski é O Inquilino e o que passou durante a semana foi Os inquilinos, do brasileiro Sérgio Bianchi. Rodrigo Rocha, editor adjunto do Núcleo de Cultura & Entretenimento, responsável pelo caderno, admite a confusão. ‘O erro aconteceu porque o cinema, no caso o UCI do Iguatemi, envia apenas o nome dos filmes, salas e horários, sem nenhuma outra indicação’, afirmou. Ele lamentou o engano e orientou os repórteres para maior atenção.’