‘O Brasil ainda está sob o impacto do assassinato da menina Eloá, 15 anos, morta após 100 horas de angústia no seqüestro em Santo André (SP), dia 17/10, pelo ex-namorado Lindemberg Alves, 22 anos. Após o final infeliz, as críticas se voltam contra a Polícia, responsabilizada pelo desfecho fatal; e a mídia, acusada de fazer espetáculos com tragédias.
Vivemos na era dos reality shows. Os dramas do cotidiano são massificados à exaustão. É uma discussão ética que precisa, com urgência, ser aprofundada pela sociedade.
Além da morte de Eloá, a Polícia se vê diante de outro fato constrangedor: o primeiro caso no mundo em que uma refém libertada – Nayara, 15, a amiga de Eloá – é devolvida ao seqüestrador! Por muito pouco, ela não morria também.
Se Nayara insistia em voltar ao local do seqüestro, deveria ter sido impedida – à força, se necessário – mas, em vez disso, os policiais a incentivaram a regressar ao cativeiro. Lamentável.
Debates do O POVO
Quanto à cobertura do O POVO sobre o seqüestro não é o factual – a editoria Brasil fez bom trabalho – que merece maiores comentários. Direciono-me para as páginas de Opinião.
No sábado (18/10, Opinião, página 6), o artigo ‘Seqüestro ou rapto’, do professor Ubiracy de Souza Braga, escrito antes do desfecho, faz divagações sociológicas sobre o caso e diz que a mídia, ‘no afã de capitalizar a notícia, propugna o fim das relações amorosas entre pessoas quando utiliza as expressões como: ‘ex-namorada’, ‘refém’, ‘seqüestro’’. Ressalta que o jornalismo ‘deveria ter parcimônia (…) para que as partes possam negociar, em nome do amor, sem espetacularização (sic), uma solução livre de preconceitos e palavras (mal)ditas’.
Na terça-feira (21), o jornalista Plínio Bortolotti rebate o sociólogo: ‘A esse entendimento de amor, só resta exclamar: o horror! O horror!’.
Enfim, pode-se culpar a mídia por promover espetáculo com uma tragédia, como o professor Ubiracy de Souza Braga o fez, mas dizer que houve ‘rapto’ e não ‘seqüestro’, é absurdo. Lindemberg não é um Romeuzinho incompreendido. É um assassino.
Sexta-feira (24), o jornalista Ítalo Gurgel, no artigo ‘Viciados em violência’, declara: ‘A imprensa deve, sim, preocupar-se com a violência. Mas precisa levar em conta que sua responsabilidade é proporcional à sua ascendência sobre a opinião pública’.
Quarta-feira (22), no artigo ‘O rosto de Eloá’ (Opinião, página 6), a professora Sandra Helena de Souza critica o despreparo policial, e faz instigantes indagações: ‘Qual a formação desses quadros de elite, claro tirando aquelas imundícies de comer no chão, de dar choque nos colegas e outras sandices do gênero?’
– Mais uma vez, a Opinião faz o diferencial de qualidade no O POVO.
‘Um dia como hoje’
No O POVO há uma seção muito lida por historiadores e pesquisadores. É a que registra fatos noticiados pelo jornal: ‘Há 80 anos’, ‘Há 60 anos’, ‘Há 20 anos’. Nos últimos dias, o espaço descaracterizou-se.
Começaram a reescrever textos de 1928, 1948 e 1988, adaptando-os para uma linguagem ‘moderna’, com acréscimo de informações extras, remissivas ao presente, numa ‘intervenção’ no passado. Calamidade. Desvirtuou-se o objetivo da coluna: o de mostrar como O POVO registrava fatos ao longo de sua história. Os olhares de outras décadas.
Reclamei, em comentários internos, contra a descaracterização. Leitores também se manifestaram. A editoria do Vida & Arte não deu resposta aos questionamentos. Manteve-se em silêncio imperial.
Protesto do professor
Na quarta-feira (22), o professor Diatahy Bezerra de Menezes protesta (omito os trechos mais duros da mensagem): ‘A coluna (Um Dia Como Hoje) tem por característica básica mostrar o estilo cognitivo do discurso de cada época ao noticiar os eventos de antanho. E o outro ponto é que a coluna tem por função útil servir aos pesquisadores, a despeito de individualmente cada exemplar dela ser menos rica do que desejaria quem está à busca de maiores informações. Eu mesmo já me utilizei de vários daqueles pequenos informes do ano 1928 sobre Cangaço e Lampeão num ensaio que escrevi no primeiro semestre. Nesse momento, os textos eram os originais na sua linguagem característica, o que os tornava seguramente significativos. Já os de agora são desastrosos e estão se tornando verdadeiros sambas do crioulo doido’’
– Em tempo: desde quinta-feira (23), a seção ‘Um dia como hoje’ não sofre mais ‘intervenções’.
O POVO on line
Mais internautas voltam a manifestar-se sobre dificuldade de acesso (e de tirar cópias de matérias no Portal O POVO online): o professor Diatahy B. de Menezes, o jornalista Celso Neto e Nadja Albuquerque (do Canadá).
De Mário Albuquerque, presidente da Associação Anistia 64/68: ‘Pessoalmente acho que ficou mais bonito, mas há que combinar isso com a facilidade na acessibilidade’
Um assessor de imprensa de órgão público se manifesta: ‘O conteúdo online está cada vez mais diferente da versão impressa. Muitas matérias não estão no conteúdo online. Isso tem sido um problema terrível em assessorias para realização do clipping (Da Coluna: seleção de material que saiu na imprensa sobre determinado assunto).’.
Recebo, na quinta-feira (23), a visita da jornalista Marília Cordeiro, do Portal O POVO Online e editora de Convergência, que explica: ‘A implementação do novo layout está sendo concluída gradualmente. O projeto prevê o acesso em HTML (formato que permite a cópia dos textos) a todas as matérias da edição do dia do O POVO e a edições anteriores, por meio do ‘Arquivo por Data’. A ferramenta será apresentada na capa do site nos próximos dias’.
– Que venham logo essas ‘ferramentas’.’