Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Verlaine

‘Com a massificação do rádio e da tevê, a questão do furo (notícia exclusiva) em jornalismo impresso é assunto superado. É o que tenho ouvido desde que me iniciei na imprensa, há quase 40 anos.

A constatação se torna mais forte, agora, com a Internet. A informação com imagens chega em tempo real e de modo direto – e múltiplas opções – nos computadores (hoje, um eletrodoméstico acessível às classes B e C).

Mas a verdade é que, em plena era da informatização, os jornais impressos ainda adoram dar um furo (informar em primeira mão) e detestam ser furados.

Dia 5 de novembro de 2008. Quase todos os jornais do País noticiaram a vitória – ou projeção de vitória – do primeiro negro eleito presidente da única superpotência do mundo, os Estados Unidos.

O POVO leva um ‘meio furo’ ao colocar em uma coluna o título frio: ‘Eleição registra presença recorde’. As fotos dos dois candidatos (Barack Obama e John McCain), também em uma coluna, passam ao leitor uma idéia de eleição indefinida. Digo ‘meio furo’ porque o jornal publicou a notícia que deveria ser destacada na capa. Estava na página 2: ‘Projeções dão vitória a Obama sobre John McCain’. A primeira página do O POVO opta por manchete local: ‘Chegou a hora da gestão, diz Luizianne’.

Vejam os enfoque dados pelos dois concorrentes do O POVO na quarta-feira (5/11): Diário do Nordeste: ‘Projeção dá vitória a Obama’ – Grande foto vertical do candidato vitorioso. O Estado (mais direto e conclusivo): ‘Eleições nos EUA. Barack Obama é eleito presidente’, em fundo preto com letras brancas. Uma foto em quatro colunas mostra eleitores democratas.

No mesmo dia (5/11), observem as manchetes de alguns grandes jornais do Brasil: ‘EUA elegem Obama’ (Folha de S. Paulo); ‘Presidente Barack Hussein Obama’ (O Globo, do Rio de Janeiro); ‘Partido de Obama tem vitória histórica’ (Correio Braziliense, de Brasília); ‘América tem um sonho’ (Estado de Minas, de Belo Horizonte); ‘Obama é eleito presidente dos EUA’ (A Tarde, de Salvador); e ‘Obama é o presidente’ (Zero Hora, de Porto Alegre)

Eu imagino o drama da Chefia de Redação e do editor de Primeira Página do O POVO no final da noite de terça-feira última. Havia o precedente da primeira eleição (2000) de George W. Bush, quando as pesquisas deram vitória do oponente democrata, Al Gore, mas o que se viu foi vitória do republicano, depois de uma conturbada e ainda hoje indefinida apuração.

Mas o quadro este ano era diferente.À meia noite já se sabia quem era o vencedor. Um leitor ligou para este ombudsman na quarta-feira e manifestou sua insatisfação de assinante com o que viu na primeira página do jornal.

Os questionamentos que faço são os seguintes: em ocasiões especiais, como a eleição presidencial norte-americana, não seria melhor a Chefia de Redação ter a palavra final na questão do dead line (horário limite de fechamento do jornal)? Por que submeter-se tanto à Gerência Industrial? Já vi exemplos de furos ocorridos no O POVO devido à excessiva preocupação com os prazos de fechamento. A morte de Yasser Arafat foi um deles.

‘Horário imprevisível’

O editor de Primeira Página do O POVO, jornalista Clóvis Holanda, dá-nos a seguinte explicação: ‘O horário de conclusão da apuração dos votos nas eleições dos EUA é imprevisível. Se esperássemos, isso resultaria em atraso na entrega do jornal na manhã seguinte. Optamos por priorizar o acompanhamento da disputa em tempo real pelo portal O POVO Online – onde foi montado um esquema especial de cobertura –, sem deixar de publicar no impresso todas as informações que havíamos até o fechamento da edição, inclusive a projeção de vitória de Barack Obama.

Anunciado o resultado, trouxemos, no dia seguinte, uma primeira página semi-temática com caderno especial interno fazendo o devido registro histórico que o fato pede’.

Do ombudsman: Não está explicada a opção na primeira página pelo título frio (‘Eleição registra presença recorde’) e não pela notícia mais quente divulgada na página 2, indicando projeção de vitória de Barack Obama. O ‘dia seguinte’ a que se refere Clóvis Holanda não é o dia 5/11, mas 6/11, dois dias depois da eleição. Outro detalhe: boa parte dos leitores do O POVO não acessa a edição on line.

‘Carreiras’

No sábado, 1º/11, O POVO publica charge do ex-jogador Maradona e hoje técnico da seleção argentina de futebol aspirando, com um canudinho, algo numa mesa, sugerindo as ‘carreiras’, como são chamados os rastros de cocaína cheirados pelos viciados nessa droga.

Do leitor Nahuel Milivintin recebo essa mensagem: ‘Com o respeito que merece este grande jornal, escrevo com tristeza, indignação e revolta. Ao parecer falharam alguns mecanismos de controle (ou será que todo o que os jornalistas escrevem é publicado sem revisão? não acredito que esta seja a opinião deste destacado matutino). Passaram-se por alto normas básicas de ética, bom censo e educação.

A charge do dia sábado, qual mostra ‘O Ícone’ duma nação irmã cheirando cocaína livremente sobre símbolos nacionais é pelo menos uma baixaria de péssimo gosto e um total desrespeito.

(….)Não podem ser insultados, injuriados, de forma gratuita elementos de cultura popular que representam diversos aspetos da vida de um país. Não só insulta um ser humano, como assim também símbolos pátrios. Insulta sem contemplações uma grande parte deste continente.

‘Com certeza vós digo, não só quem escreve deve ter se sentido agredido. Pelo qual peço, com o maior dos respeitos, um pedido formal de desculpas, evidenciando a verdadeira posição do jornal’.

– Encaminhei cópia do e-mail do leitor à Chefia de Redação, mas não recebi nenhuma resposta aos seus questionamentos.’