Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Verlaine

‘As ‘Páginas Azuis’ são um dos muitos projetos vitoriosos do O POVO. Toda semana, uma personalidade – de diferentes áreas – é escolhida para uma entrevista em estilo pingue-pongue (perguntas e respostas) que é sempre publicada nas segundas-feiras. Os resultados são, de modo geral, muito bons.

O modelo foi lançado pelo Pasquim no final da década de sessenta e rompeu com o formato antigo de entrevistas. Conversa descontraída, perguntas diretas, entrevistados e entrevistadores bem à vontade, admitindo-se até palavrões (O Pasquim, na época da censura, substituía-os por asteriscos e outros sinais).

Admitir palavrões, tudo bem. Mas não precisa exagerar. Na última segunda-feira (10), no entanto, leitores do O POVO foram surpreendidos com a entrevista do ator e diretor de teatro Antonio Abujamra.(‘Abu! Ele adora, ele odeia’, primeiro caderno, paginas 10 e 11). O entrevistado ‘brindou’ os entrevistadores – jornalistas Pedro Rocha e Tiago Coutinho – com ‘vai (vão) tomar no c.’ (seis vezes e, por extenso, com todas as letras, na entrevista); ‘vão para p…que pariu’ (uma vez), ‘viadinho’ (duas vezes), além de palavras mais amenas (?), tais como ‘babacas’, ‘masoquistas’, ‘ridículo’.Abujamra ainda se permitiu arremessar o gravador dos repórteres longe do local da entrevista.

Leitores Barros Alves e Hélder Vasconcelos e outro que pediu anonimato telefonaram e protestaram contra a entrevista, dizendo que se sentiram agredidos com os palavrões publicados pelo jornal.

O jornalista Flamínio Araripe disse: ‘Teatro permite essa coisa escrachada. Jornalismo é outro departamento. Fico com pena desses garotos que deram o nome a essa ofensa; primeiro a eles próprios, e que sobrou pro coitado do leitorado’.

Do ombudsman: a entrevista – e a forma como foi conduzida – não trouxe nada de positivo aos leitores. Se tivessem aproveitado o pouco de interessante que Abujamra disse (e tinha algumas coisas boas), meia página – ou menos – seria o suficiente, evitando o festival de palavrões e, o pior, a exposição dos entrevistadores (fotógrafo, inclusive) a uma situação vexatória e humilhante.

‘BOM JORNALISMO’

O editor-executivo de Cultura e Entretenimento, jornalista Emerson Maranhão, assim se pronunciou:

‘Antes de qualquer coisa, causa-me estranhamento que a entrevista não tenha trazido nada de positivo aos leitores – ou a nenhum leitor. Antonio Abujamra é um provocador por excelência e definição. Tanto em sua vasta obra na arte dramática quanto em sua vida pessoal. E a entrevista da maneira como foi conduzida dá a exata dimensão disso, da personalidade inquieta, ousada, transgressora e instigante do entrevistado. Negar isso aos nossos leitores, no meu entender, seria equivocado.

‘Também não acredito que nossos entrevistadores foram expostos a uma situação vexatória nem humilhante. Pelo contrário, vejo que eles adotaram uma postura serena, porém firme, e em momento nenhum responderam às provocações de Abujamra, mantendo-se tranqüilos e profissionais, não deixando de insistir nas perguntas que acreditavam merecer respostas – mesmo diante dos impropérios proferidos por ele’.

‘Não nego o potencial polêmico da entrevista, mas entendo que momentos como esse são necessários para manter viva a chama do bom jornalismo, aquele que não se rende a práticas meramente laudatórias’.

‘DESRESPEITO’

A presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Ceará, jornalista Deborah Lima, tem opinião contrária:

Ao contrário do ‘Provocações’, um programa que provoca pela inteligência, a entrevista provocou Abujamra pela insegurança, inexperiência e imaturidade. Se a idéia era provocar, eles conseguiram, só que da pior forma possível: abrindo o flanco para serem atacados impiedosamente, sem demonstrar qualquer reação. A entrevista é um exemplo de como não se deve fazer Jornalismo.

Jornalista não pode ter medo de seus entrevistados. Jornalista que tem medo de fazer perguntas deveria mudar de profissão. Como o próprio Abujamra disse ‘Se você tiver medo, eles (os entrevistados) vão te estraçalhar’.. Jornalista, ou qualquer outro profissional, tem de se dar o devido respeito e exigir respeito no exercício da profissão.

Esta entrevista nem sequer deveria ter sido publicada. O que acrescentou aos leitores essas duas páginas de provocações? Nada, absolutamente nada. Apenas revelou o grau de desrespeito do entrevistado com os seus entrevistadores. E o pior, com a chancela dos próprios jornalistas que se deixaram desrespeitar. Imagina se a moda pega, se um político, por exemplo, insatisfeito com perguntas ‘inconvenientes’, resolve agredir jornalistas?

Antes de jogar o gravador longe, Abujamra pediu cinco vezes para que a entrevista fosse encerrada. É um direito dele. Ninguém é obrigado a falar contra a própria vontade. Mas os entrevistadores só desistiram depois que Abujamra reconheceu: ‘Vieram me provocar, então podem ir embora (porque já conseguiram)’.

Afinal, qual o objetivo da matéria, entrevistar Abujamra ou apenas provocá-lo? A entrevista foi um verdadeiro exercício de masoquismo, com uma repercussão extremamente negativa para o jornal e para os jornalistas. Jornalismo é coisa séria e deve ser pautado, obrigatoriamente, pelo interesse público da informação. Sempre. E não foi isso o que se viu na entrevista.O que se viu foi um triplo desrespeito: aos jornalistas, ao entrevistado e, principalmente, aos leitores’.

CORAGEM

Do episódio, fica um conselho dado pelo próprio Antonio Abujamra aos dois repórteres, na entrevista: ‘A juventude tem que ter talento, tem que ter coragem’.’