Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Paulo Machado

‘Essa foi a pergunta que me fiz quando fui convidado pelo presidente da Radiobrás para assumir a função de ouvidor. Logo me ocorreu a imagem de um cara com uma orelha enorme que ouvia tudo que o público tinha a dizer e repassava para aqueles(as) que fazem o jornalismo e a nossa programação. Depois ouvia suas considerações e as retransmitia ao público.

Essa figura caricata do ouvidor em meu pensamento foi evoluindo no decorrer dos últimos meses, tempo que tive para tomar pé da situação, entender as expectativas dos profissionais da empresa em relação ao trabalho da ouvidoria, ser apresentado a minha equipe e iniciar o diálogo com o(a) cidadão(ã).

Entre telefonemas e e-mails foram mais de 200 nesse período, o suficiente para começar a conhecer nosso público, saber quais são suas preocupações, críticas e desejos em relação a esta empresa pública de comunicação. Foi um tempo para o planejamento de minha ação, também utilizado para definir o formato desta coluna, e dos espaços Ouvidoria no Ar, que estamos inaugurando hoje no rádio e na TV. Foi um tempo para conhecer um pouco da história das ouvidorias no Brasil e no mundo, e me inteirar do trabalho de minha antecessora, Emília Magalhães.

Finalmente, esse tempo, de pouco mais de dois meses, me permitiu saber exatamente o que é uma ouvidoria e para que ela serve, ou melhor, a quem ela serve. Colocando-me na posição de leitor, percebi que às vezes lemos uma notícia que em vez de nos esclarecer sobre um determinado assunto nos enche de dúvidas. As perguntas ficam entaladas em nossa garganta e não sabemos a quem recorrer para pedir as respostas. Aí nos perguntamos se somos nós que não conseguimos entender ou se foram os jornalistas que não souberam explicar. Seja qual for o caso, a Ouvidoria deve ter a resposta. Ela é um canal de diálogo para receber as perguntas, críticas e sugestões.

Além disso, ela tem a função de, com base nas demandas do público, ajudar os jornalistas a pensar sobre o que fazem e como fazem. Quando um(a) leitor(a) envia uma correspondência ou liga para a Ouvidoria ele(a) recebe um número de protocolo com o qual ele(a) poderá acompanhar o caminho percorrido por sua mensagem dentro das instâncias do jornalismo. Após uma análise preliminar, feita pelos assessores da ouvidoria para saber se o assunto é de nossa competência, a voz do(a) leitor(a) começa a provocar uma série de reações na redação. Muitos dizem que o jornalista não gosta de ser criticado e eu acrescentaria que nós todos, de modo geral, não gostamos de ser criticados. Mas justamente no jornalismo, a crítica é mais que fundamental. Os jornalistas, absorvidos em sua rotina diária, pressionados pela urgência do tempo para que a notícia não envelheça em suas mãos, normalmente não têm muito tempo para refletir sobre seu trabalho.

E aí entra a Ouvidoria para chamar a atenção do(a) jornalista no sentido de lembrá-lo(a) que do outro lado da página eletrônica há um leitor que pode não ter entendido o que ele(a) quis dizer, ou que faltaram informações importantes ou ainda que ele(a) esqueceu de ouvir alguma parte envolvida no assunto, ou até mesmo que a linguagem com que ele(a) se comunicou com o(a) leitor(a) não permite que sua mensagem seja bem compreendida. Portanto, cabe a Ouvidoria não só ouvir o(a) leitor(a) como também fazer com que sua voz seja ouvida na redação.

Em uma decisão amparada por uma norma interna, qualquer setor da empresa tem um prazo de cinco dias úteis para responder ao leitor(a) sobre sua demanda. A Ouvidoria analisa a resposta para ver se o pleito do(a) leitor(a) foi satisfatoriamente atendido, caso contrário, é solicitado ao(a) autor(a) que a resposta seja refeita.

Assim sendo, a Ouvidoria tem por missão comparar o que foi feito com o que deveria ou poderia ter sido feito. E nada melhor do que uma crítica construtiva para provocar mudanças no sentido de produzir novos modos de pensar e de fazer o jornalismo. É a crítica que não visa destruir nem desmerecer um trabalho, e sim proporcionar uma oportunidade para que esse trabalho seja permanentemente repensado à luz da capacidade de compreensão do leitor(a).

Para sugerir aos jornalistas o que poderia ou deveria ser feito em vez do que foi publicado, a Ouvidoria conta com um referencial teórico que funciona como um pacto entre a direção e os jornalistas da casa. Esse pacto está consolidado num conjunto de normas, regras e recomendações reunidas no Manual de Jornalismo da Radiobrás – um trabalho árduo e coletivo que custou quatro anos de reflexão da equipe da empresa.

Além de dar voz ao(a) cidadão(ã) e de cuidar para que ela seja ouvida na redação da Agência Brasil, a Ouvidoria também tem a função de ajudar a formar e a informar o(a) leitor(a) para que se estabeleça uma relação crítica entre leitor(a) e notícia. Para isso, a Ouvidoria tem em seus planos para 2007, a implantação de um programa de educação para a mídia através do qual serão fornecidos a estudantes do ensino fundamental e médio instrumentos de análise de mídia e oportunidades de criticar e fazer mídia, usando a estrutura e os meios dos veículos da Radiobrás como laboratório.

Paralelamente a isso, a Ouvidoria também está preocupada em implementar um projeto de análise crítica de mídia com estudantes de comunicação através de parcerias com escolas de nível superior, institutos de pesquisa e organizações não governamentais afeitos ao tema da comunicação.

Como o(a) leitor(a) pode observar, tenho muito trabalho pela frente. O desafio é contribuir para mudar a qualidade da relação que o(a) leitor(a) tem com aquilo que lê, com a maneira como se informa, com a qualidade da informação. É sobre o atendimento a esse direito fundamental da pessoa humana, o direito à informação, que me debruçarei durante todo este ano, ouvindo muito e falando só o essencial.

Semanalmente estarei aqui com a Coluna do Ouvidor analisando as críticas e sugestões que você enviar, com o objetivo de aprimorar o jornalismo com foco no cidadão produzido por esta empresa pública de comunicação da qual você, cidadão(ã), é o(a) mais legítimo(a) proprietário(a).

Agora já vejo o ouvidor como uma pessoa normal. A figura caricata dos primeiros dias se desfez depois que o mistério do cargo foi se dissipando pelo conhecimento e pela informação. Só eles são capazes de desfazer os fantasmas que criamos.

Até a próxima semana.’