Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Paulo Machado

‘O leitor José Fernando Moleda, que se identificou como profissional de prevenção de acidentes ‘há 27 preciosos anos’, escreveu para esta Ouvidoria comentando as notícias que leu na Agência Brasil sobre o acidente com o avião da TAM em São Paulo. Para ele, a afirmação do superintendente de engenharia da Infraero, Armando Schneider Filho, garantindo que a pista molhada não tinha sido responsável pelo acidente envolvendo o Airbus A320, o havia levado à conclusão de que, neste país, só se aprende que a prevenção deve acontecer depois do acidente.

No jornalismo, os conceitos de prevenção de acidentes também podem ser usados quando se acompanham os processos históricos em curso.

No caso de Congonhas, uma Ação Civil Pública datada de 24 de janeiro deste ano, impetrada pelo Ministério Público Federal contra a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) dava conta dos riscos iminentes de um acidente como o que aconteceu esta semana.

Na ação, essas duas instituições públicas, consideradas rés, são responsabilizadas por não terem feito o dever de casa com relação à infra-estrutura aeroportuária nas últimas décadas. Nela, encontramos citações como: ‘A abstenção do poder público é uma das formas mais nocivas de violação da lei. O direito ao funcionamento dos serviços públicos se inscreve destacadamente no elenco de direitos essenciais do cidadão’. E ainda: ‘O equilíbrio e a estabilidade sociais dependem, cada vez mais, da eficiência e moralidade da administração pública, cujas repercussões atingem, constantemente, os interesses de cada um dos membros da sociedade’.

Cheguei a essa ação em 8 de fevereiro, quando fazia uma análise da cobertura da Agência sobre o assunto, fruto da demanda de um leitor que criticava o fato de não terem sido ouvidos os moradores dos arredores do aeroporto nas matérias sobre a decisão do juiz Ronald de Carvalho Filho e sobre a contradecisão, tomada pela Justiça Federal 24 horas depois, protagonizada pelos órgãos públicos responsáveis pela infra-estrutura aeroportuária – a Infraero e a Anac. Ambas, decisão e contradecisão, foram motivadas pela Ação Civil Pública que pediu a interdição total do aeroporto de Congonhas.

A análise de 12 matérias publicadas entre 10 de janeiro e 8 de fevereiro deu origem a uma das muitas Colunas do Ouvidor elaboradas para teste – e que por isso não foram divulgadas – até chegarmos ao formato definitivo desta coluna em 23 de março.

Sob o título ‘Direito à vida versus direito ao consumo’, a Ouvidoria ponderava que a Agência em sua cobertura sobre os fatos havia deixado de informar ao cidadão que era justamente o seu direito à vida, à segurança e à integridade física que estavam em jogo por trás daquela polêmica jurídica. Era isso que afirmavam os procuradores federais na ação. Nela também eram contemplados os direitos do cidadão enquanto consumidor. Não só o consumidor de passagens das companhias aéreas, mas antes de tudo o consumidor de serviços aeronáuticos.

Segundo os procuradores, isso significa aeroportos e tudo que eles contêm: as pistas, que não devem ser curtas nem derrapantes; os controladores de vôo, que não devem trabalhar sob pressão; o pessoal de terra, que mesmo em dias de chuva não devem correr riscos de ser atropelado por aviões de 80 toneladas; as salas de espera, que devem acomodar a todos que esperam por aviões que não devem se atrasar; e mais a segurança dos passageiros, é claro.

As matérias traziam a decisão do juiz proibindo pousos e decolagens de aviões de grande porte e a informação de que ela estava baseada na ação do Ministério Público, mas não tratavam do conteúdo da ação. Elas mostraram a reação da Infraero e da Anac recorrendo da decisão do juiz e sua revogação por parte da Justiça Federal, mas não explicavam as implicações dessa decisão.

À época, a Ouvidoria deixou no ar algumas perguntas como sugestão para que a Agência Brasil não só aprofundasse a apuração como também acompanhasse o processo histórico em curso, pois suas conseqüências poderiam ser as que infelizmente aconteceram nesta semana.

Entre as sugestões de perguntas para ser respondidas pela reportagem estavam as seguintes: Será que, revogada a interdição judicial, revogaram-se também as causas da ação? Será que o aeroporto, que completou 80 anos em 2006, tornou-se mais seguro com a decisão da Justiça? Será que os cidadãos que moram no entorno do aeroporto, ou que trafegam pelas avenidas que o circundam, ou que trabalham nas pistas de pouso e decolagem, ou ainda que embarcam nos aviões, estão mais seguros depois que a Justiça liberou o aeroporto?

Daquela época para 17 de julho, antes do acidente, a Agência Brasil publicou mais 138 matérias sobre Congonhas, das quais 104 (75%) tratam de atrasos ou cancelamentos de vôos segundo boletins da Infraero e da Anac. Nove matérias tratam da reforma nas pistas do aeroporto, 13 da CPI da crise aérea e apenas 12 se referem à questão da segurança naquele aeroporto. Nenhuma matéria responde àquelas perguntas.

Mas uma pergunta foi parcialmente respondida pelos fatos. Aquela que os procuradores fizeram na conclusão de sua ação em janeiro de 2007: ‘Quantas vidas mais serão colocadas em risco para que medidas efetivas e satisfatórias sejam tomadas?’.

Até a próxima semana.’