Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Paulo Machado

‘Muitos leitores têm escrito para a Ouvidoria reivindicando novas formas de acesso aos conteúdos da Agência Brasil ou ainda espaço para que possam publicar seus comentários e opiniões sobre os assuntos tratados nas matérias. A acessibilidade para pessoas com diferentes tipos de deficiência também tem sido objeto das mensagens.

No canto superior esquerdo desta Coluna há um símbolo, por meio do qual o leitor pode acessar um formulário e enviar seu comentário com críticas e sugestões sobre o presente conteúdo. Experimente. Esse mecanismo de interatividade foi criado em 2006 quando inaugurado o novo site da ABr. O símbolo também leva o leitor a saber quais são as ferramentas previstas para interagir com o site e como utilizá-las, por exemplo, para publicar notícias, fotos, vídeos e áudios em sua página pessoal, além de conhecer alguns dos princípios da comunicação pública.

Naquela oportunidade, ao licenciar o novo site em Creative Comuns (*), os gestores da ABr davam os primeiros passos para a prática do jornalismo colaborativo que, com o tempo, poderia se transformar em jornalismo participativo. De lá para cá, as ferramentas tecnológicas evoluíram muito, mas essa evolução não foi acompanhada pela Agência Brasil e a interatividade e a participação do cidadão não avançaram. Questões estruturais e editoriais, mantiveram os leitores como meros receptores da notícia fazendo a comunicação de mão única nos moldes praticados pela mídia convencional.

A novidade em termos de canais de participação do cidadão foi a implantação desta Ouvidoria que desde 2007 constitui-se em uma possibilidade real de que a comunicação faça o caminho inverso, levando a opinião do leitor à redação. Mas os efeitos práticos dessa participação dependem basicamente da boa vontade do gestor de plantão. Alguns jornalistas são refratários às críticas dos leitores e não abrem mão de seu poder de decidir sobre a verdade. Outros já perceberam o quanto esse retorno é importante para saber como o leitor recebe a informação. Mas ainda estamos longe do jornalismo participativo nas páginas da ABr.

O leitor Jairo de Albuquerque foi um dos muitos que escreveram para a Ouvidoria procurando uma forma de manifestar suas opiniões sobre os conteúdos veiculados nas matérias da Agência Brasil.

Comentando duas notícias que tratavam da Marcha dos Prefeitos à Brasília o leitor fez uma análise do Sistema Tributário Nacional, sugeriu a convocação de uma assembleia constituinte para rediscutir o papel do município na Federação e falou até das responsabilidades do município na formulação e execução das políticas públicas. Se fosse publicada em um espaço apropriado, a mensagem do leitor daria margem a uma importante discussão sobre o tema, principalmente se o referido espaço permitisse que outros leitores contribuíssem com suas opiniões e informações. Seria uma forma da ABr se constituir literalmente em espaço público que abrigasse o debate democrático sobre as questões de interesse nacional.

Sobre os comentários do leitor a Agência Brasil respondeu:’É a opinião do leitor. Não creio que seja necessária alguma resposta.’

Outro exemplo de leitor que gostaria de manifestar sua opinião foi dado por Jackson Emanuel que escreveu:’Gostaria do direito de resposta à notícia recentemente publicada sobre as 50 ações do governo que visam favorecer a comunidade LGBT. Segue um artigo em anexo, se for possível publicar ficarei grato.’ Em seu artigo Jakson defende pontos de vista contrários às ações do governo. A Ouvidoria explicou a ele não se tratar de direito de resposta como solicitou, pois não foi citado nas matérias, mas sim do direito a opinar sobre políticas públicas e portanto contribuir para o debate e a formação da opinião do público. Mas a ABr não tem espaço para esse tipo de participação do leitor.

Por ultimo lembramos das dezenas de mensagens de leitores que recebemos com sugestões de pautas, abordagens e enfoques, alem de indicações de possíveis fontes para serem ouvidas nas matérias. São leitores querendo ajudar a fazer o jornalismo cidadão, participar da elaboração da notícia e, quem sabe, até fazer a reportagem sobre um determinado assunto. Essas mensagens são encaminhadas pela Ouvidoria para a Agência Brasil e a resposta é sempre a mesma:’agradecemos a participação do leitor’, ou eventualmente,’vamos levar em consideração suas observações’. A ABr, além de não ter ferramentas tecnológicas que permitam a interação com o cidadão, editorialmente tem reagido a essas mensagens como se ao leitor coubesse apenas receber a informação pronta e acabada, pois parece que as sugestões nunca surtem efeitos práticos.

Essas mensagens também podem ser lidas e interpretadas como uma fotografia de um momento histórico da democracia e da comunicação onde o novo olhar do jornalismo cidadão reivindica transformações – afinal, qual seria o espaço mais legítimo para se afirmar do que na empresa pública de comunicação que tem entre seus objetivos o de inovar e experimentar novas formas de jornalismo e de comunicação?

Como dissemos, na mídia convencional a relação entre emissor e receptor é uma via de mão única, ou seja, a emissão da notícia é feita apenas pelos jornalistas, e a audiência, somente recebe a informação, não sendo portanto, produtor dela. Os jornalistas das mídias convencionais compartilham uma cultura da profissão: seguir critérios de noticiabilidade e dos valores-notícia, assim como crenças e percepções próprias dessa comunidade. Na agência pública, até o momento, não observamos diferenças nesses critérios e crenças.

Contrapondo-se às práticas liberais do jornalismo convencional, insurge-se no final do século passado a noção de jornalismo cidadão(**) que parte do conceito de que todos somos potencialmente produtores de informação, desde que disponhamos dos meios para apurarmos um fato, tratá-lo adequadamente e publica-lo. Com a revolução tecnológica em curso os meios se diversificam e tornam-se efetivamente disponíveis para mais e mais pessoas a cada dia. A sua propriedade se democratiza à revelia dos poderosos donos dos veículos de comunicação de massa que detinham o monopólio da informação.

Democracia e comunicação reforçam e reformulam seus vínculos e suas práticas. Mais pessoas votam, mais se tornam consumidores, a consciência crítica se amplia e mais gente quer participar das decisões, inclusive da decisão sobre o que é verdade. Para participar as pessoas se organizam e com isso seus argumentos em favor de interesses comuns ou coletivos ganham força e faz-se ouvir sua voz.

A verdade passa a ser uma construção coletiva, negociada e relativa a determinadas parcelas da sociedade ou a determinados grupos de interesse. A verdade passa a ser algo tão relativo e complexo que já nem vale a pena procurá-la como algo pronto, acabado, quase divino – entre a verdade absoluta e a relativa há tantas outras verdades quantos são os grupos de interesse. São as visões de mundo que se diversificam e ganham espaço na medida em que já não se pode impor uma verdade unívoca. Ao jornalismo vale mais a pena descrever o processo, a busca de consensos e dissensos. Ao jornalista cabe o papel de alinhavá-los, mostrando a realidade de uma sociedade em franco processo de democratização das decisões e da comunicação.

Por trás da disputa entre o jornalismo convencional e o participativo, está a questão do poder – o poder de construir a verdade e dizê-la ao público por meio de um veículo de massas, ou seja, o poder da comunicação convencional. Mas a tecnologia ao modernizar os meios, chamados agora de plataformas digitais, também democratizou o acesso a eles. Portanto, a cada dia mais e mais pessoas detêm o poder de construir a verdade e expor sua visão pessoal de um determinado fato. Do ponto de vista pessoal, há jornalistas que encaram essa subversão como uma séria ameaça ao poder que exercem – e, verdadeiramente, o é. Do ponto de vista do modelo de negócios das empresas de comunicação abre-se espaço para que se democratize a sua propriedade – hoje em dia há blogs pessoais mais acessados do que muitas agências de notícias. Isso significa basicamente que os negócios, que sobrevivem do lucro da venda do conhecimento, da cultura e da informação, podem estar com os dias contados – a propriedade privada desses bens da humanidade sobreviverá à democracia e à revolução tecnológica? Começamos efetivamente a questionar a quem pertence a informação e o papel do jornalista frente a ela.

Até a próxima semana.

(*) – Creative Commons é uma organização sem fins lucrativos criada em 2001 com o intuito de democratizar e regular a troca e a utilização de conteúdos, flexibilizando as regras de copyright. Por meio de uma licença Creative Commons qualquer pessoa pode determinar as regras de utilização dos próprios conteúdos. A licença adotada pela Agência Brasil é a 2.5, a mais ampla proposta pelo Creative Commons.

(**) – jornalismo cidadão: uma idéia de jornalismo na qual o conteúdo (texto + imagem + som + vídeo) é produzido por cidadãos sem formação jornalística, em colaboração com jornalistas profissionais. Esta prática se caracteriza pela maior liberdade na produção e veiculação de notícias, já que não exige formação específica em jornalismo para os indivíduos que a executam. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jornalismo_cidad%C3%A3o’