Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘A Agência Brasil tem adotado um procedimento no mínimo estranho para uma agência de notícias. Recorrentemente ela tem apagado de suas matérias informações que são questionadas pelos leitores como inverídicas ou carentes de uma melhor apuração. Em vez de explicar por que a informação foi publicada e, eventualmente, corrigi-la, a ABr tem preferido simplesmente extirpar a informação polêmica de suas matérias, isso depois de publicadas e lidas, sabe-se lá por quantos leitores.

Esse foi o caso, por exemplo, que motivou a leitora e coordenadora da Rede Virtual Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina, a engenheira Fernanda Giannasi, a escrever para esta Ouvidoria.

Referindo-se a matéria Temporão veda uso de tudo o que contenha amianto nas dependências do Ministério da Saúde, publicada dia 21 de julho, ela diz: ‘há um grande equívoco ao citar que ‘Estudos da Fundação Getulio Vargas mostram que não há nenhuma alternativa de substituição do produto a curto prazo’, já que o mercado brasileiro dispõe de várias alternativas para substituição dos produtos de amianto há pelo menos uma década, como é o caso das caixas d´água plásticas, que praticamente substituíram os antigos tanques insalubres de cimento-amianto. O parágrafo mencionado no artigo é totalmente fora do contexto da matéria, que versa sobre o importante anúncio feito pelo Ministro José Gomes temporão da proibição do uso do amianto em todos os órgãos ligados à sua pasta da Saúde. O parágrafo que trata do tal estudo da Fundação Getúlio Vargas, que foi patrocinado e solicitado pela indústria do amianto, que tenta inviabilizar a substituição da fibra cancerígena em nosso país, é, portanto, totalmente descabido.’

Em resposta à mensagem da leitora a Agência Brasil eliminou o referido parágrafo da matéria e disse: ‘corrigido!’. Será?

Ao publicar uma informação como essa, dando conta de que foi feito um estudo que afirma não haver opções econômicas a um produto cancerígeno sem ouvir as demais organizações que tratam do assunto, a ABr prestou uma desinformação ao leitor, uma vez que tal estudo, financiado pelas empresas produtoras de amianto, privilegia apenas o interesse daqueles que lucram com sua produção independentemente da ameaça que se faz presente à saúde das pessoas e ao meio ambiente. A matéria não cita, por exemplo, que o uso do amianto já foi condenado, dentre outras, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica, o Inserm, da França. Além da condenação pela nossa Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, no Rio de Janeiro. A matéria também não informa que o produto foi banido de muitos países em que, após décadas de brigas judiciais entre vítimas e produtores, apoiados pelos respectivos governos, tiveram de render-se às evidências dos danos causados à saúde de suas populações e de seus trabalhadores e proibir a produção e comercialização de produtos de amianto.

Há de se perguntar então por que a ABr divulgou tal informação? Em outros veículos de comunicação, patrocinados direta ou indiretamente pelos por empresas produtoras de amianto, é até compreensível, embora repudiável, a veiculação de notícias dando conta de ‘estudos’ promovidos por esse tipo de indústria, mas na agência publica, patrocinada pelo contribuinte, como se justifica tal publicação?

Saber a causa desse tipo de erro, é muito mais proveitoso para a comunicação pública do que simplesmente tirá-lo do ar. Ao proceder dessa maneira, sem dar maiores explicações, a Agência não teria criado duas classes de leitores? Uns, que tiveram acesso à informação, ficaram sabendo que existe um estudo, atribuído à FGV, dizendo que não existem alternativas econômicas ao uso do amianto, e, outros leitores, que não sabem da existência desse estudo?

Mas qual seria o interesse público que envolve essa questão? O direito do cidadão à saúde e a um meio ambiente equilibrado ou o direito à saúde financeira de certas empresas?

Um dos leitores que soube desse estudo por intermédio da matéria da Agência Brasil, foi o dr. Hermano Albuquerque de Castro, coordenador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Fiocruz, que escreveu para a coordenadora da Rede Virtual Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina perguntando: ‘busquei na internet e não vi nenhum artigo ou estudos da FGV sobre o assunto (se alguém encontrar me mandem). Acho que a Abrea ou o Ministério Público, poderiam formalizar um pedido para a FGV enviar os estudos aos quais ela se refere.’

Em resposta ao pesquisador da Fiocruz, Fernanda Giannasi respondeu: ‘Quanto ao tal ‘estudo’ citado na matéria da Agência Brasil, totalmente fora do contexto da matéria, como se fosse um enxerto de última hora, já estou providenciando cópias para lhe enviar aí na FIOCRUZ, lembrando-o de que este trabalho de consultoria foi encomendado pelo Departamento da Indústria da Construção (DECONCIC) da FIESP à Consultoria da Fundação Getúlio Vargas (FGV Projetos), que é assinado pro Cesar Cunha Campos, e não é um estudo ou artigo da FGV. É bom fazermos esta diferenciação porque a indústria do amianto e seu lobby fazem a mesma coisa com trabalhos que eles encomendam ao IPT e depois divulgam como pesquisas da instituição da USP, o que é totalmente inapropriado. Este relatório, de agosto de 2008, se podemos assim chamá-lo, tem sido distribuído pelo Instituto do Crisotila a todos os políticos brasileiros para praticarem sua tradicional política do terror, alegando que não há substitutos e, portanto, o banimento do amianto vai fazer a indústria entrar em colapso, o que é totalmente inverídico; prova são os materiais já disponíveis no mercado asbestos-free. Qualquer um pode verificar nas lojas de materiais de construção. Pena que a jornalista que assina a matéria não tenha tomado este cuidado de verificar outras fontes (como é sempre recomendado que se faça e que os órgãos sérios de comunicação fazem). No afã de dar o ‘furo’ ela reproduziu o release do lobby do amianto enxertando este parágrafo infeliz na matéria que anuncia o banimento do amianto no Ministério da Saúde. O tal relatório traz como conclusões que ‘É importante ressaltar que o objetivo deste estudo não é questionar decisões, mas sim trazer à luz uma série de implicações econômicas decorrentes da proibição abrupta do amianto. Não cabe a esse trabalho sugerir qual o tempo necessário para a indústria fazer essa adaptação – não foram pesquisados os procedimentos para isso. O objetivo enfim, tanto do Deconcic como da FGV, é trazer elementos válidos para orientar os debates, de forma que a sociedade brasileira como um todo seja favorecida com as decisões a serem tomadas’, [sic]. Eu entendo, concluindo, que o problema não está no relatório em si – um estudo meramente econômico- e sim no mal uso que está se fazendo dele, e que a imprensa deste país, cada dia mais despreparada para tratar dos grandes temas divulga sem ao menos ler do que trata o tal estudo e quem, em que contexto, como e porquê o produziu. Vemos aqui a reprodução dos mesmos erros da malfadada matéria da Folha de São Paulo, tão oportunamente criticada pelo VIOMUNDO (*). Ainda bem que podemos contar com uma imprensa alternativa que não tem ‘o rabo preso’ com os financiadores de sua publicidade.’

Em 2008, a ABr, havia agido diferentemente em relação ao tema. Após publicar a matéria Ministério do Meio Ambiente proíbe uso do amianto, em 29 de janeiro, e outras, em fevereiro, tratando da proibição do Conar à veiculação de propaganda sobre amianto, a Agência recebeu, por meio da Ouvidoria, uma correspondência do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) contestando as informações contidas nas matérias. Em junho a Agência Brasil respondeu ao IBC que ‘mantinha sua posição’ em relação ao assunto. Ou seja, os responsáveis pelo IBC foram ouvidos pela reportagem, matérias foram publicadas, mas nenhuma informação foi apagada.

Naquela oportunidade, como agora, faltou à Agência buscar explicações do porquê de o governo eliminar o uso do amianto em seus próprios ministérios mas permitir que a população continue exposta aos riscos. Discutir as políticas públicas ou sua ausência, em função dos interesses da saúde pública é uma missão que faz parte dos objetivos da EBC e poderá enriquecer a cobertura da ABr sobre o assunto.

Até a próxima semana’