Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘Em nossa coluna A opinião fotográfica, há duas semanas, tratamos do tema a partir das mensagens recebidas de leitores que se indignaram com fotos publicadas pela Agência Brasil contendo, vamos dizer, algo mais, do que a informação jornalística. Reproduzimos a seguir quatro mensagens recebidas de leitores contestando afirmações que fizemos, e que não fizemos, mas que inspiraram os leitores a se manifestarem.

Antes de tudo, queremos agradecer àqueles que se dignaram a opinar e ajudaram a enriquecer o debate sobre o que deve e o que não deve ser feito em termos de fotojornalismo, especificamente, em uma empresa pública de comunicação. Vamos às mensagens:

‘As fotos ultrapassam o objetivo de informar. Na última Coluna do Ouvidor, o relato de leitores que se sentiram incomodados com as fotos, nos provoca certa inquietação. É preocupante que em pleno ano 2009, 21 anos do implemento de nossas garantias constitucionais tão almejadas, o fotojornalismo cause esse tipo de polêmica. As fotos, assim como os textos, estão impregnados do olhar ou da caneta de quem os faz. É impossível tirar o caráter subjetivo de qualquer coisa feita por seres humanos, é até inócuo pedir isenção. Se isso fosse possível, maquinas realizariam esse trabalho, afinal objetividade, nesse sentido, é querer que o sujeito aja como se realizasse um ato mecânico desprovido de raciocínio. E isso, creio, é impossível. Imparcialidade é outra história. E ao contrário do que diz o texto do ouvidor, não houve julgamento ideológico em nenhuma das fotografias debatidas. As fotos, ao contrário disso, são o retrato da realidade. A primeira traz um dos líderes tucanos na frente do retrato do mascote de seu partido, qual o problema? Na segunda, há uma luz em cima da cabeça do sr. ministro. Não acredito que isso seja desagradável, afinal, é bem necessário que sua excelência tenha muita luz na hora de analisar seus julgados. E infelizmente, se houve debates calorosos semanas antes da foto, a culpa não é do fotógrafo. Se a foto remete o leitor a um fato da realidade, é porque isso aconteceu, ou será delírio coletivo? A terceira foto é a melhor delas. Sinceramente, qual o problema da foto? Ainda não consigo entender. Tá certo, o secretário de Estado norte -americano é naturalmente mais alto que o chanceler brasileiro, e o primeiro plano aumentou ainda mais essa diferença genética. Decorre disso que imediatamente nos lembramos da nossa inferioridade em relação à super-potência. Sim. Outra realidade. Não há, em nenhuma das fotos, mensagens subliminares. Ao contrário, até crianças em idade pré-escolar sabem muito bem a posição dos EUA no mundo. O que causa o desconforto é justamente esse cara a cara com a realidade. A foto, pelo seu caráter lúdico, tem o poder de penetração em nossas mentes que as palavras não têm. Ler dá trabalho, não? Os fatos discutidos na imprensa brasileira, relatados pelas agências de noticia são recorrentes e deveriam gerar na população um debate reflexivo. Mas se a fotografia der esse primeiro passo, creio que o serviço prestado pela equipe da Agência Brasil funciona como aquele da professora da alfabetização. Um primeiro passo no processo na construção da cidadania.

Mariângela Andrade – Advogada

‘Discordo completamente da Coluna do Ouvidor que faz críticas às excelentes fotos da Agência Brasil. O autor do texto demonstra desconhecimento de fotografia ao dizer que o trabalho de um fotojornalista ‘não pode ultrapassar o real fotografado com mensagens subliminares’. Imagino que o ouvidor nunca foi fotógrafo, em Brasília especialmente, para gastar seu tempo escrevendo esse tipo de coisa. Pelo jeito, ele gostaria que a Agência Brasil reproduzisse em suas imagens o tom existente em parte de seu noticiário, em que resvala num puro relatorismo por temor de interpretar de fato a realidade. Isso ocorre, imagino, por uma visão deturpada de independência ou por um medo de parecer estar criticando demais ou atacando demais o governo. Na dúvida, opta-se pelo caminho mais chato ao dar as notícias. As fotos da ABr são uma exceção a isso. Os fotógrafos fazem o que todo fotógrafo de imprensa em Brasília luta para fazer todo o dia: transformar assuntos absolutamente não imagéticos e potencialmente enfadonhos em boas fotos. E conseguem fazer isso muito bem, bastante acima da média dos fotógrafos da capital. Em vez do oficialesco e da falta de personalidade, produzem as mais criativas fotos produzidas na cidade. Por isso peço que o ouvidor não confunda a função pública que a EBC sem dúvida tem que cumprir com uma prática de um jornalismo anódino que, pelo visto, já tomou conta das cabeças pensantes e mandantes da redação da agência.’

Alex Rodriguez

‘Senhor ouvidor, Em relação ao seu artigo do dia 14.08.09, eu acho que o fotojornalismo tem a função de contextualizar a notícia, assim como também informar. Mas ela não é apenas um acessório do jornalismo escrito. Também acho ilusório pensar que o leitor é burro e ao colocar uma auréola sobre a cabeça de um ministro a informação é deturpada. ‘Desde o início a imagem foi ao mesmo tempo meio de expressão, de comunicação e também de adivinhação e iniciação, de encantamento e cura (Martin Barbero)’ – ‘A semântica da imagem é particularmente polissêmica e toda fotografia é um certificado de presença (Roland Barthes)’ e por isso acho que a imagem fotográfica é uma mensagem aberta. As interpretações dos leitores vem do background de cada um e da imagem mental construída pelos meios de comunicação, por cada um de nós jornalistas, ao longo dos anos, certo? A imagem, diferente do texto, é uma mensagem multicodificada. Ela não mostra somente as verdades fotografadas, mostra também as verdades que cada leitor percebe ou conhece daquela determinada cena visual. E é atribuição da comunicação pública mostrar a verdade do que acontece e estimular o debate público e deixar de ser apenas informacional e segundo nosso mestre Barthes ‘o fotojornalismo político atual é contingência pura, e detalhes que constituem o próprio material do saber etnológico’. A imparcialidade não existe, nunca existiu e nunca existirá.

Abraço da fotógrafa Sônia Baiocchi

‘Discordo da afirmação ‘No fotojornalismo a função da fotografia é documentar com imagens as informações contidas no texto da notícia. O repórter fotográfico não se aprofunda em considerações estéticas, pois seu objetivo é comunicar e transmitir mensagens informativas de interesse do leitor.’ No fotojornalismo o repórter tem a obrigação de transmitir idéias e fatos por meio da imagem e nesse caminho há a oportunidade de dizer muita coisa. A estética é essencial para agradar ou, no mínimo, transmitir harmonia ao olhar do leitor. Sem a concepção de que o repórter fotográfico também transmite uma mensagem, ele passa a ser um simples ‘fazedor de bonecos’ e suas imagens fogem ao princípio de transmitir a mensagem. Ele possui a oportunidade sim de compor quadros com metalinguagens que façam sentido e que sugiram uma discussão de idéias, como as fotos do ministro e do senador.’

Thaise Torres

Fazendo um paralelo, suponhamos que o leitor esteja lendo o texto de uma notícia na Agência Brasil sobre desavenças entre o presidente do Supremo Tribunal Federal e um ministro que o acusou de estar destruindo a credibilidade do Judiciário e a certa altura o repórter sentencia: o ministro Gilmar Mendes é um santo. Vamos supor agora que a notícia trate da diplomacia brasileira fazendo objeções à implantação de bases militares norte-americanas em nosso continente e o repórter diga: os argumentos do ministro Celso Amorim foram irrisórios ante a grande determinação norte-americana. Por último, vamos supor que a matéria seja sobre uma representação do PSDB contra o presidente do Senado acusando-o de cometer irregularidades e o repórter escreve: o tucano Álvaro Dias deu uma bicada no Sarney.

Com todo respeito às autoridades citadas para que não se sintam ofendidas com nossas suposições, nosso objetivo aqui é apenas ilustrar com palavras possíveis interpretações das fotos em questão, conforme a opinião dos leitores que protestaram contra sua publicação classificando-as como uma eventual brincadeira.

Já para os leitores que parabenizaram a ABr pela publicação e divergiram quanto à função do fotojornalismo em uma empresa pública de comunicação, essas mesmas fotos inspiraram outras leituras. Não cabe aqui julgarmos se melhores ou piores, mais realistas, objetivas ou subliminares.

No paralelo que traçamos com nossas suposições procuramos demonstrar que assim como no texto do repórter, a fotografia não deve conter opiniões pessoais do profissional que a produz. Se na matéria escrita os adjetivos refletem um julgamento de valor do repórter, na imagem os adereços sub-postos não teriam a mesma função? A citada metalinguagem não seria uma tentativa de induzir o leitor a uma determinada interpretação da realidade que inspirou o olhar do fotógrafo?

Uma foto do ministro com um fundo neutro é apenas uma foto do ministro – exatamente o que, provavelmente, constava na pauta . Já uma foto do mesmo Ministro, com uma auréola de luz sobre sua cabeça é outra coisa, que certamente não constava da pauta. Então nos perguntamos: que outra coisa é essa? O que o adereço acrescenta à informação? Não estaria ali localizada exatamente a opinião pessoal do fotógrafo?

A questão que colocamos para reflexão é de que a comunicação pública carece de regras e de paradigmas para nortear editorialmente sua função de informar com objetividade, isenção, imparcialidade e impessoalidade. Elas não existem? Objetivamente não, mas são como uma linha do horizonte para o jornalismo que deve persegui-las obstinadamente, mesmo sabendo que nunca irá alcançá-las. São paradigmas, que definem limites e objetivos que integram a ética no jornalismo. Quando utilizados, seus efeitos são invisíveis, quase imperceptíveis, mas sua ausência pode ser desastrosa. Em nenhum momento levantamos qualquer dúvida quanto à competência dos profissionais que fazem o fotojornalismo da ABr, mas sim a função das regras editoriais no processo de edição e publicação ou não das fotos.

No jornalismo os procedimentos são coletivos e baseados em etapas de produção previamente acordadas entre os profissionais. Quando o chefe de reportagem distribui uma pauta para um repórter ele estabelece o que o veículo espera que ele traga para compor a notícia, ou seja, qual informação poderá ser encontrada em determinado lugar, a partir de determinadas fontes. É claro que informações inéditas e inusitadas poderão advir e serão bem-vindas, mas desde que façam parte do contexto e sejam protagonizadas pelas pessoas que compõem a notícia, não pelo repórter. O repórter não faz parte e não deve tentar influenciar os acontecimentos. Deve, sim, ser o mais neutro possível para não interferir no fato reportado. Muitos argumentam que a simples presença do repórter ou do fotógrafo já representa uma intervenção na realidade reportada. E realmente representa. Só que quanto mais discreta for essa intervenção mais fidedigna será a imagem da realidade. Ou não?

Os leitores sabem que a fotografia não é a realidade mas apenas um recorte dela produzido pelo olhar do fotógrafo. A intensidade, a localização e as cores da luz, a posição superior ou inferior do fotógrafo em relação ao objeto fotografado e a própria superposição de planos são algumas das técnicas utilizadas pelos profissionais que podem mudar decisivamente o contexto da imagem e portanto da mensagem. Mas há que se perguntar quais são os limites éticos desse tipo de interferência? Onde termina o fotojornalismo e começa a fotografia autoral?

A discussão sobre o fotojornalismo na empresa pública pode ajudar a construir a comunicação pública com paradigmas que a diferenciem da mídia que visa simplesmente o lucro por meio da venda da audiência. Cabe a ela formar e informar nunca induzir ou tentar convencer. Por isso, e por respeito à consciência crítica do cidadão, é que adjetivos e adereços precisam ser evitados. As qualidades profissionais de repórteres e editores em uma empresa pública de comunicação devem estar associadas à discrição pessoal em relação ao fato reportado. No processo de produção da notícia o que deve prevalecer é a qualidade do jornalismo que se pratica que dará credibilidade ao veículo – a qualidade dos profissionais estará implícita. Personificar esse processo pode representar que os jornalistas arvoram para si maior importância do que para o jornalismo.

Portanto, precisamos diferenciar a fotografia autoral ou artística de fotojornalismo e, este último, do fotojornalismo praticado em uma empresa pública com paradigmas que se apliquem soberanamente a todas as linguagens e a todos os profissionais, de todos os veículos da EBC, sem exceção. Todavia isso não deve ser confundido necessariamente com a prática de um jornalismo ‘anódino’ ou ‘oficialesco’ como sugeriram os leitores, pois o jornalismo não existe se tentarmos eliminar sua humanidade, onde está implícita a criatividade e a sensibilidade do profissional. Mas até para sentirem-se livres e desenvolverem suas habilidades, eles precisam de regras editoriais que referenciem seu trabalho a partir dos princípios e objetivos da comunicação pública.

A única resposta que obtivemos da Agência Brasil às mensagens dos leitores sobre esse debate foi: ‘ agradecemos a colaboração do leitor, mas suas considerações se referem à Coluna do Ouvidor’.

Até a próxima semana.’