Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘O leitor Lucio Bottos invocou o poder de fiscalização da imprensa sobre os Poderes da República ao tratar das políticas públicas. A ideia de que a imprensa constitui o ‘quarto poder’do Estado de Direito nasceu em 1828, quando o inglês Lord Macaulay criou a expressão. Segundo ele, a imprensa devia ser uma aliada dos cidadãos para promover a defesa dos seus direitos, para protegê-los de eventuais abusos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário.

Para alguns essa noção de poder, atribuída à imprensa, é uma usurpação do que diz nossa Constituição na qual ‘todo poder emana do povo’e essa preocupação se justifica sob o argumento de que os governantes foram eleitos, os jornalistas não. Mas o próprio lord inglês complementava: ‘o jornalismo deve ser uma voz dos cidadãos na expressão das suas preocupações, da sua ira, e, se for preciso, da sua revolta.’

Lucio escreveu: ‘Bom dia. Vocês continuaram com o seguimento da notícia ‘Projetos para urbanização de favelas do Rio serão apresentados até o fim do mês, diz governador’, publicada dia 21 de agosto de 2007? O Brasil só vai melhorar se vocês, (o quarto poder) cobrarem dos outros três Poderes sua responsabilidade social. Vocês podem ajudar um Brasil que esta precisando de muita ajuda.’

A ‘ajuda’ solicitada pelo leitor à Agência Brasil integra a missão da EBC de formar e informar. Está entre seus objetivos ‘fomentar a construção da cidadania, a consolidação da democracia e a participação na sociedade, garantindo o direito à informação, à livre expressão do pensamento, à criação e à comunicação’ (Par. III. – Art. 3o. da Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008).

Quanto à continuação da cobertura do assunto, tratado na referida matéria, ela não ocorreu. Não sabemos se houve a apresentação dos projetos prometidos pelo governador pois a ABr não noticiou, mas o assunto ‘urbanização das favelas’ tem sido alvo de cobertura permanente. No que se refere à qualidade da mesma para ‘cobrarem dos outros três poderes sua responsabilidade social’ – essa é uma função que o jornalismo sempre teve dificuldades de exercer, apesar de ser uma das principais razões de sua existência.

É pratica comum autoridades reunirem a imprensa para anunciar solenemente a assinatura de atos dizendo o que vão fazer, o quanto vai custar e quem vai se beneficiar. A imprensa cobre a solenidade e, cumprindo sua função de informar, divulga aquilo que, num primeiro momento, são só intenções. Depois geralmente se esquece do assunto. Para o público fica a impressão de que o problema a partir daí estará sendo resolvido e de que tudo o que foi prometido será realizado. O público espera também que, se isso não ocorrer, a mesma imprensa voltará ao tema e dirá que a autoridade não cumpriu o prometido. Pelo menos essa é a expectativa, que nem sempre se confirma, pois a imprensa tem enorme dificuldade para fiscalizar.

Para tanto, faz-se necessária a visão e o acompanhamento sistemático dos processos históricos em curso na sociedade. São necessárias também estatísticas confiáveis sobre a execução das políticas, sobre o cumprimento de metas e prazos e o impacto na vida do cidadão que delas eventualmente se beneficiou. Ou seja, a transparência e a consequente facilidade de acesso às informações são condições fundamentais para que a imprensa e a sociedade conheçam e discutam as ações do poder público. Outro aspecto importante é saber se os resultados correspondem aos objetivos almejados e isso só é possível com a verificação dos efeitos na realidade na qual a política pública interferiu.

Esse é um trabalho que requer uma persistência que o jornalismo dificilmente apresenta, quer seja por viver sob a pressão permanente da busca pelo inédito, pelo surpreendente ou espetacular, quer seja porque os jornalistas dificilmente são preparados ou estimulados para tal tarefa. Por exemplo: é mais fácil e mais barato para o veículo de comunicação produzir dez matérias noticiando que a polícia invadiu a favela do que fazer apenas uma em que discuta a política pública de segurança e o direito à vida e ao bem estar na mesma favela.

O trabalho de fiscalização pressupõe também um aprofundamento nas questões que a superficialidade, característica do jornalismo de impacto, impede que ocorra. Talvez por isso a imprensa prefira, por exemplo, noticiar um escândalo de desvio de dinheiro público destinado à construção de casas populares depois que ele já ocorreu do que acompanhar passo a passo a execução da política habitacional, exercendo concomitantemente seu papel de fiscalização e de informação e, possivelmente, evitando que o dinheiro seja desviado.

Esse comportamento da imprensa criou uma lacuna na fiscalização das ações dos Poderes possibilitando o surgimento de novos atores na sociedade para desempenhar esse papel. Nas ultimas décadas temos assistido à proliferação de agências noticiosas especializadas, geralmente ligadas às organizações do terceiro setor, que informam sobre estudos e relatórios periódicos de avaliação das políticas públicas, dos quais o jornalismo convencional prefere se abastecer e simplesmente reproduzir ou repercutir. Outra forma de preencher essa lacuna na fiscalização é valer-se das investigações e diagnósticos dos tribunais de Contas, organismos de controle interno, Ministério Público e organizações internacionais, bem como os inquéritos da Policia Federal, entre outros.

Muitos argumentam que a quantidade e a complexidade de temas e de interesses, inerentes à sociedade pós-moderna, impedem que o jornalismo abarque todas as questões e nelas se aprofunde. O Plano Plurianual de Desenvolvimento – o PPA 2008-2011, por exemplo, reúne mais de 300 programas que se desdobram em mais de 5 mil ações. Cada uma com orçamento, metas e objetivos, reavaliados a cada ano. Dificilmente as empresas privadas de comunicação, dentro do atual modelo de negócios que as sustentam, teriam recursos suficientes para cobrir e fiscalizar o andamento de cada um deles. Assim, escolhem agir seletivamente, preferindo só noticiar quando a ação do governo vai mal ou não atinge seus objetivos, ou ainda quando envolve algum tipo de escândalo, mas dificilmente informam sobre o seu sucesso.

Tal comportamento da imprensa acaba criando a falsa ilusão de que, se a ação do governo não é objeto de notícia, a politica pública naquele setor vai bem, o que nem sempre corresponde à verdade. Portanto, ao não informar a imprensa também está dando uma informação, que pode comprometer inclusive a credibilidade de sua função de informar – outra razão de sua existência.

Mas a empresa pública de comunicação, mantida com dinheiro do contribuinte, pode exercer ambos os papéis, indo ao encontro da essência do jornalismo. Estará assim atendendo a uma das necessidades fundamentais do cidadão: saber onde e como o dinheiro de seus impostos é aplicado. Esse tipo de informação constrói a cidadania, dá transparência as ações do governo e consolida a democracia, ou seja, ‘pode ajudar um Brasil que esta precisando de muita ajuda’, na opinião do leitor que nos escreveu.

Até a próxima semana.’