‘‘Como o comentário é uma opinião do leitor em relação a outra opinião, do entrevistado, acho que devemos apenas agradecer a manifestação do cidadão. A expressão citada por ele está devidamente caracterizada como uma fala do entrevistado, que está entre aspas no texto.’ Esta foi a resposta da Agência Brasil ao leitor Paulo Rogério Roveré da Silva. O procedimento, de não modificar o que a fonte falou é, técnica e eticamente, adequado.
Paulo Rogério escreveu para a Ouvidoria: ‘Nessa matéria o sr. Carlos Roberto de Oliveira, que é coordenador da União por Moradia no DF, fala em acabar com esse apartheid que se verifica aqui no DF. Não gosto quando rotulam Brasília com esse rótulo de apartheid, sou gaúcho de nascimento e brasiliense de CORAÇÃO, com muito orgulho por sinal. Adoro esta terra e fico triste com declarações como esta. No RS, RJ e em SP vivemos apartheids piores que no DF e ninguém comenta dessa forma, falam apenas que é um processo de exclusão social, motivado pelas aglomerações urbanas nas grandes metrópoles. Não sei por que ficam rotulando Brasília com adjetivos agressivos e intolerantes, cidade apartada, de corruptos e assim por diante. Vamos respeitar nossa capital, que tem qualidades e defeitos como toda e qualquer cidade do mundo. Viva Brasília, terra de oportunidades e respeito à diversidade cultural.’.
O leitor se referiu à fala do coordenador citada na matéria DF deverá ter 16 mil casas financiadas pelo programa habitacional do governo, que diz: ‘Temos que parar de criar cidades de exclusão e acabar com esse apartheid que se verifica aqui no DF’.
Não encontrado nenhum problema de procedimento, enviada a explicação ao leitor, respondida adequadamente a sua demanda, poderíamos encerrar aqui nossa Coluna desta semana. Caso solucionado – encerre-se o processo! Será?
Qual então seria o objetivo de ouvir uma determinada fonte se sua opinião serviria apenas para ‘ilustrar’ uma notícia? Para o jornalismo, que não se limita a publicar declarações, sejam elas do presidente da República ou do Carlos Roberto, os entrevistados são antes de tudo fontes de informação que refletem a visão de um grupo ou de segmento da sociedade sobre uma realidade objetiva que querem ver debatida no espaço público de comunicação. De qual realidade o coordenador do movimento social está falando quando cita o termo que indignou nosso leitor? Palavras entre aspas podem ser lidas apenas como ‘mais uma opinião’ (entre aspas), seja ela do entrevistado, do leitor, de um especialista ou de uma determinada autoridade, mas será sempre apenas mais uma opinião, uma declaração que apenas ilustra a notícia, se as apartamos de seu conteúdo.
Se o jornalista realmente escutar o que a fonte está falando e não apenas ouvi-lo para citá-lo ‘entre aspas’, ele procurará tirar o máximo de informações sobre o assunto, pois seus olhos e seus ouvidos não são tão seus naquele momento. O jornalismo como meio (mídia) deve servir para levar a visão do entrevistado sobre o assunto ao leitor e permitir que este construa significados conforme sua compreensão pessoal. Assim, quanto mais informações, mas nítida se torna a imagem, mais delineados se tornam seus contornos e, portanto, mais próximos da realidade objetiva que se pretende reportar e discutir.
Há duas semanas falamos sobre o conteúdo da cobertura da ABr sobre o plano habitacional do governo na Coluna Planejamento, pesquisa e apuração fazem falta. Naquela oportunidade lembramos que: ‘A cobertura jornalística de um programa habitacional como o que o governo lançou na semana passada requer planejamento para que não se divulgue apenas o que as autoridades dirão, mas, sim, o que o público quer e precisa saber.’ No ultimo parágrafo citamos um exemplo de debate, sobre qual realidade objetiva, poderia ser trazido para que os leitores aprofundassem a discussão: ‘Construir moradias é produzir cidades. É essencial discutir os impactos dos empreendimentos imobiliários nas condições de vida, na instituição ou destituição de direitos sociais, no ordenamento territorial e no funcionamento das cidades. No Brasil, as cidades são marcadas por profundas expressões de desigualdades e exclusões socioterritoriais, e o principal sentido dos processos de produção de moradias é engendrar cidades e urbanidades para garantir o bem-estar e o desenvolvimento das pessoas. Estamos diante de uma bela oportunidade. Não vamos cair nas armadilhas sedutoras dos números: 1 milhão de moradias? Sim, mas onde, como e para quem?’. Era um trecho do artigo publicado no jornal Le Monde Diplomatique de fevereiro pelos arquitetos e urbanistas Raquel Rolnik e Kazuo Nakano. Com outras palavras, do que falavam os especialistas senão do apartheid?
Sobre nossa Coluna a Agência Brasil considerou que:
‘1) Não é verdade que faltou aprofundamento da Agência Brasil na cobertura do programa habitacional. O programa foi apresentado pelas autoridades diretamente envolvidas, foi ouvida gente da área de construção civil, parlamentares opositores e governistas, comentado por uma professora da UFRJ, e foram entrevistados participantes de cooperativas habitacionais. Uma matéria em especial forneceu todos os detalhes para que um interessado possa inscrever-se no programa. O que foi apresentado nas matérias pareceu-me suficiente para informar o leitor. É claro que, dependendo dos pontos de vista, pode-se sentir falta de uma informação mais detalhada, mas não há nada que desmereça a cobertura feita;
2) Só hoje tivemos conhecimento destas cinco demandas dos leitores [pedindo mais informações sobre o plano]. Destes, quatro solicitam informação sobre procedimentos operacionais de financiamento da Caixa Econômica Federal. Creio que pelo desconhecimento desta Ouvidoria foi jogada responsabilidade na Agência Brasil de dar informações aos leitores sobre tais financiamentos – que alguns deles mesmo dizem em e-mail – não obtiveram na Caixa Econômica Federal. Estes leitores, e inclusive nossa equipe de reportagem, não conseguiram as informações, uma vez que não foram divulgadas pelas autoridades. Só deve ocorrer no dia 13 de abril, quando a CEF irá explicitar todas as normas e procedimentos operacionais do programa. Assim, considero injusta a crítica do ouvidor de que faltou empenho da Agência em fazer ‘matérias que explorem aspectos práticos quanto à execução do programa’;
3) Discordamos das considerações de que faltou planejamento, pesquisa e apuração na cobertura do programa habitacional. É uma afirmação com juízo de valor desta Ouvidoria, sem que a Agência Brasil tivesse sido consultada.’
Já o leitor Paulo Timm, ex-coordenador de Desenvolvimento Regional do Ipea, enviou o seguinte comentário para esta Ouvidoria a respeito de nossa Coluna: ‘O pior é que não houve nenhum balanço das experiências de construção de casas no passado. Não se fala em BNH, não se fala do Pro-morar , até parece que nunca houve programa habitacional no país. Aliás, o Figueiredo construiu no seu governo mais de 1,5 milhão de casas… De resto, há a Política Urbana, Metropolitana e Regional. Qual a ligação desta política habitacional com estas políticas públicas, ou , simplesmente, ao que parece, elas não existiram? Não há também nenhum projeto de ocupação do território nacional acoplado a essa política? Já os portugueses faziam isso com claras preocupações geopolíticas. O Império teve figuras extraordinárias como COUTO DE MAGALHÃES, que teve um papel singular como presidente de Goiás e MT . Vargas lançou a MARCHA PARA O OESTE e a Fundação Brasil Central, JK fez Brasília, a Belém-Brasília e falou explicitamente em ocupação do interior. Os governos militares, bem ou mal ‘inventaram’ a SUDAM, A TRANSAMAZÔNICA e consolidaram a ocupação do Centro-Oeste com o aproveitamento do Cerrado. Geisel criou as regiões metropolitanas. Mas Sarney, Collor e FHC e Lula não disseram ainda a que vieram nesse campo , tão caro aos velhos geógrafos do IBGE, aos intelectuais militares como Euclides da Cunha, Rondon e outros, além de comunistas eméritos como Prestes, na sua Coluna [dele, Luís Carlos Prestes].’
O assunto continuou na pauta da ABr nas ultimas duas semanas antecedendo o anúncio de detalhes do plano, feito ontem (13) pelas autoridades, conforme haviam prometido. Apesar de a cobertura fornecer informações mais detalhadas sobre a operacionalização do acesso à moradia, ela continuou apartada do processo histórico, do contexto da ocupação territorial do país e de nossas cidades, dos fluxos migratórios, da discussão da qualidade da moradia que superlotam as favelas, da instituição ou destituição de direitos sociais, da infra-estrutura existente e da necessária para que se construam 1 milhão de moradias e da resposta às perguntas onde, como e para quem?
Até a próxima semana.’