“Empresas concessionárias de serviços púbicos têm a outorga do Estado (são contratadas por ele) para oferecer ao cidadão telefonia, transportes, serviços financeiros, seguros, saúde, educação, rádio, televisão e mais uma série de atividades essenciais e vitais para o funcionamento da sociedade.
Quando esses serviços falham, ou funcionam de maneira precária, o cidadão continua pagando por eles, mas sem obter o que precisa.
Para regular e fiscalizar a ação dessas empresas o Estado criou as chamadas agências reguladoras e uma série de siglas invadiram o universo da relação sociedade-Estado: Anatel, Aneel, Ans, Antt, Anac, entre outras, intermediando interesses privados contra necessidades públicas do cidadão.
‘Contra’ seria uma expressão muito forte? Parece que não, quando constatamos que ano após ano os lucros das empresas crescem à custa da precarização da qualidade dos serviços prestados ao mesmo tempo que cresce a insatisfação dos cidadãos registrada pelo aumento de reclamações nos órgãos competentes.
É uma lógica perversa: para lucrar mais os concessionários reduzem custos, dispensam empregados como fizeram os bancos, minimizam investimentos em infra-estrutura, como fazem as empresas de telefonia.
As relações capitalistas de mercado, que normalmente deveriam prevalecer, premiando os mais competentes e punindo os ineficientes, são invertidas graças a um oligopólio, a uma reserva de mercado para algumas poucas empresas protegidas e abrigadas sob um pequeno guarda-chuva: a concessão do Estado praticada em nome do povo.
À medida que mais e mais pessoas ascendem social e economicamente cresce a demanda pelos serviços essenciais, mas o oligopólio as enxerga apenas pelo lado lucrativo desses novos ‘clientes’.
Resta ao Estado fazer ver que, antes de serem ‘clientes’, são cidadãos buscando condições básicas para o exercício pleno de direitos e deveres, ou seja, de cidadania.
É aí que entra a informação e conseqüentemente a mídia. Informação sobre a qualidade dos serviços essenciais é informação sobre a qualidade da cidadania que se pratica.
Em uma tentativa de começar a mudar as relações empresas concessionárias x consumidores, em 2008, o governo editou a chamada Lei dos SACs– Serviços de Atendimento aos Consumidores, por meio dos quais é realizado o relacionamento do cidadão com os prestadores de serviços.
Na matéria Governo multou em mais de R$ 50 milhões empresas que descumpriram regras do SAC, publicada pela ABr, a diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC, do Ministério da Justiça, Juliana Pereira, fez um balanço de como anda o cumprimento da Lei, mas o leitor Nilson Pêra protestou:
‘A matéria ‘Governo multou em mais de R$ 50 milhões empresas que descumpriram regras do SAC’ não diz quantas empresas que descumpriram regras pagaram a multa. Pelo que sabemos, são raras. Assim, não adianta nada se as empresas são multadas, mas não pagam as multas. O Governo deve cobrar rigorosamente dos devedores das multas e dos impostos, ao invés de ficar
elevando os impostos. É sabido que tem grandes grupos privilegiados que devem ao fisco e simplesmente não pagam.’
O leitor não tem razão quando diz que são raras as empresas que pagaram as multas – nenhuma empresa pagou até agora, segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça, mas a notícia não informou isso, nem que dos R$ 50 milhões em multas, R$ 18 milhões foram aplicadas diretamente pelo Ministério da Justiça e R$ 32 milhões pelos Procons dos estados. No caso do Procon –DF, por exemplo, dos mais de R$ 3 milhões em multas aplicadas, apenas R$ 18 mil foram pagos (0,6%).
Há ainda outros R$ 300 milhões em multas a duas operadoras de telefonia (Claro e OI), que também não foram pagos. Trata-se de processos administrativos resultantes em ações coletivas, das quais as empresas recorrem à justiça para não ter de pagar.
Ali o processo judicial pode rolar anos antes de uma decisão definitiva. São recursos e mais recursos facultados pela lei. Enquanto isso, consumidores indignados como Nilson Pêra continuam pagando por serviços e atendimentos precários, ao arrepio da lei.
Mas ao contrário da qualidade dos serviços essenciais que recebe, o cidadão tem direito à qualidade da informação sobre esses serviços.
Noticiar que o governo aplicou as multas é apenas uma parte da informação a que tem direito, mas pode criar a falsa impressão de que a lei está sendo cumprida.
Verificar na prática como anda o pagamento dessas multas é mais uma parte dessa informação, aprofundar a apuração e saber por que o governo não aciona outras medidas punitivas para fazer valer a lei pode ser mais uma parte importante dessa informação. Só assim a verdade aos poucos se completará.
Texto do art 56 da Lei nº 8.078 de 1990 (Defesa do Consumidor):
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
I – multa;
II – apreensão do produto;
III – inutilização do produto;
IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V – proibição de fabricação do produto;
VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII – suspensão temporária de atividade;
VIII – revogação de concessão ou permissão de uso;
IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI – intervenção administrativa;
XII – imposição de contrapropaganda.
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo. (grifo nosso)
A Agência Brasil acolheu a demanda do leitor e respondeu prometendo: ‘Agradecemos a mensagem do leitor. Vamos voltar ao assunto aproveitando a sugestão de pauta do leitor’. Em 14 matérias publicadas entre 2009 e 2010 sobre o assunto a tônica tem sido noticiar a aplicação das multas.
Até a próxima semana.”