‘A Diretoria Executiva da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) decidiu que os canais públicos geridos pela empresa adotarão o tratamento ‘presidenta’ em relação à presidente eleita Dilma Rousseff por entender que a flexão de gênero é uma providência gramatical adequada quando se trata da primeira mulher brasileira eleita para a Presidência da República.
Apesar da decisão encontrar respaldo no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, como substantivo feminino, alguns leitores protestaram.
Marina Vidaletti escreveu: ‘Gostaria de ler os artigos referentes à presidente eleita, e não à presidenta, pois tal palavra não existe no nosso vocabulário, assim como não existe estudanta… eleganta…ardenta e etc…’
Joas Serrano alertou: ‘não existe presidenta, é ‘o’ ou ‘a’ presidente, o paciente; a paciente e etc. A presidente Dilma Rousseff. Ensine certo aos desavisados.’
Os leitores estão parcialmente corretos em suas observações, caso tomemos a regra gramatical ao pé da letra. No português existem os particípios ativos como derivativos verbais. Por exemplo: o particípio ativo do verbo atacar é atacante, o de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente e o de mendicar é mendicante. O particípio ativo do verbo ser é ‘ente’. Aquele que é: o ente. Aquele que tem entidade. Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a ação que expressa um verbo, há que se adicionar à raiz verbal os sufixos ‘ante’, ‘ente’ ou ‘inte’. Portanto, a pessoa que preside seria presidente, e não ‘presidenta’, independentemente do sexo que tenha. Pela regra, diz-se capela ardente, e não capela ‘ardenta’; diz-se estudante, e não ‘estudanta’.
Segundo Ângela Torres, professora da Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire) e doutoranda em Linguística pela UFPE: ‘Estamos em um momento de transição linguística, pode acontecer que haja uma adequação ao uso de ‘presidenta’, mas não podemos garantir’ (ver aqui). Para os linguistas a língua é um organismo social vivo, portanto, em permanente transformação, de acordo as influências culturais e com o uso que se faz das palavras no cotidiano da sociedade.
No documentário José y Pilar – Retrato de una Relación, sobre o casal Saramago, Pilar Del Rio, companheira de José, exige ser chamada de presidenta da Fundação Saramago, numa defesa política da questão de gênero.
Deixando as questões ortográficas de lado, observamos a excessiva ênfase dada à questão de gênero por ocasião da cobertura da mídia em geral sobre o dia seguinte das eleições. Os veículos de comunicação preocuparam-se muito mais em destacar o fato de termos eleito uma mulher para presidente do que suas propostas em termos de políticas públicas, de seu comportamento como administradora ou de sua história pública pregressa no que tange a aspectos políticos e funcionais. Não que o fato não seja digno de nota, mas apenas de nota, e não de pautar toda uma cobertura midiática durante horas e páginas.
A intensidade com que se destacou a questão da mulher se sobrepôs em muito à discussão sobre o que o cidadão pode esperar do futuro governo. A Agência Brasil não ficou atrás. Publicou no dia 1º de novembro uma matéria fazendo uma retrospectiva do movimento pela participação da mulher na política, desde os tempos do Império até os dias de hoje.
A matéria causou dúvidas, não por seu conteúdo histórico, mas pela abordagem utilizada: a ‘lideres feministas’, não identificadas, são atribuídas frases como, por exemplo: ‘a eleição de Dilma pode fazer diferença, mostrando às mulheres que elas podem conquistar posições que, em outros tempos, eram tidas como privilégio nato dos homens.’
Até a próxima semana.