‘Entre balas e discursos está o cidadão carioca tentando entender o que acontece. É uma guerra aberta, uma luta de guerrilha ou simplesmente um rearranjo de forças entre facções do Estado e dos traficantes? Os leitores da Agência Brasil tiveram um panorama dessas e de outras questões ligadas ao assunto nas ultimas semanas.
No dia 29 de novembro o leitor Paulo Timm escreveu para esta Ouvidoria: ‘A ocupação de comunidades do Rio de Janeiro por tropas militares está sendo aplaudida por moradores, opinião pública e principalmente pela grande mídia como uma verdadeira LIBERTAÇÃO [grifo do leitor] daquelas áreas, como se fosse a invasão da Normandia, no famoso DIA D que deu início, na Europa, à derrocada do exército nazista. Com efeito, há que se aplaudir o esforço conjunto de forças policiais estaduais e federais no combate ao crime. Não há porém de se imaginar que este processo não entranhe severos problemas, dentre os quais alguns atentados aos Direitos Constitucionais e Humanos. Como, por exemplo, fazer uma ‘varredura’ em residências sem o devido ALVARÁ JUDICIAL [idem]? De resto, subsistem duvidas sobre todo este processo. Por que não foi ele acompanhado por observadores da OAB, IGREJAS, ANISTIA INTERNACIONAL, ONGs [idem]? Não quero fazer ressalvas ao noticiário da Agencia, até porque me vi quase ‘obrigado’ a acompanhar as outras redes. Mas fica aqui o pedido, com a remessa de um dossiê com artigos críticos a todo esse processo, para que não se transforme o evento numa panacéia.’
A Agência Brasil publicou 114 matérias sobre a chamada ‘Guerra do Rio’ entre os dias 23/11 e 07/12. Dessas matérias, 60% tratam dos fatos ocorridos tendo o Estado como protagonista da ação de repressão e ocupação de favelas controladas pelos traficantes sob a força das armas. Sobre o assunto foram abordados temas como: estratégias das autoridades civis e militares; reações dos traficantes, operações policiais/militares, baixas , apreensões e mobilização de instalações e profissionais de saúde para cuidar dos feridos.
Cerca de 10% das notícias davam conta da colaboração da população (Disque-Denuncia), transtornos causados à população pela suspensão de serviços públicos como a falta de água, luz, transporte, escolas e alojamento para a população deslocada das suas residências. As ações dos governos (federal, estadual e municipal) voltadas para o desenvolvimento das comunidades (o PAC, por exemplo) foram temas abordados em 17 matérias (11%), enquanto que os Direitos Humanos e a participação/intervenção de ONGs somaram 10%.
Mas a principal informação, aquela que explicava aos leitores o que estava acontecendo e porque acontecia foi tema de apenas 5 matérias.
Em sua cobertura, a princípio, a ABr adotou a versão das autoridades de que os incêndios aos veículos que ardiam por diversas zonas da cidade era uma reação dos traficantes à eficiência da política pública de segurança conhecida como as Unidades de Polícia Pacificadora – as UPPs. Na matéria Governo do Rio pede transferência de presos acusados de ordenar ataques a carros na cidade, publicada dia 23 de novembro, ‘o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame disse que não vai retroceder nas políticas de segurança e ameaçou avançar com a repressão ‘dobrando a aposta’. Faltou a ABr informar que tais unidades foram implantadas em apenas 12 das mais de 1.000 favelas do Rio de Janeiro.
A defesa das UPPs continuou em outra notícia no dia seguinte: Especialista em segurança pública diz que população deve defender as UPPs. Nela, os leitores foram informados de que: ‘o pesquisador da área de segurança pública e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Paulo Jorge Ribeiro, disse hoje (24) que a população deve defender as unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Apesar do medo da população decorrente dos incêndios de ônibus e de carros no Grande Rio, o professor avalia que a estratégia das UPPs livrou áreas marginalizadas de quadrilhas armadas, embora as unidades necessitem de vários ajustes. Funcionando em 12 favelas, as UPPs ocuparam permanentemente comunidades dominadas pelos traficantes, expulsando os criminosos, mas sem desarticular as quadrilhas. Ribeiro também disse que a Secretaria de Segurança Pública tem enfrentado os ataques com inteligência, mapeando os locais onde ocorreram as ações criminosas. Para ele, a maior dificuldade é tranquilizar a população, que não deve culpar a política adota pelo estado para enfrentar o tráfico, ‘um inimigo comum’.
‘Pela primeira vez na história do Rio, estamos lidando com uma política que toma o controle de territórios dos traficantes. Não é em todo Rio. Não é ampla e cidadã. É passível de várias críticas e tem que ser expandida. Precisa de ajustes constantes, mas é uma vitória da população pobre carioca que vivia acuada’, afirmou.
De acordo com o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, o tráfico está reagindo por ter perdido o controle de áreas lucrativas. Durante entrevista, ontem (23), afirmou que há indicativos de que duas facções rivais tenham se aliado e que as ordens para os ataques partiram de dentro dos presídios.’
Na matéria Apoio federal contra violência no Rio tem valor simbólico para a população, acredita pesquisador, publicada também no dia 24 de novembro, uma outra fonte ouvida pela ABr levanta a suspeita de que as ações dos traficantes podem ser resultado da articulação entre facções rivais, mas não explica por que estariam se aliando: ‘De acordo com o professor Doriam Borges, pesquisador do Laboratório de Análise de Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública investiga, a partir de denúncias, a possibilidade de criminosos do Complexo do Alemão na Penha, zona norte da cidade, terem se aliando a traficantes de facção rival na Rocinha. De acordo com Borges, seria uma surpresa descobrir a união de facções rivais no Rio, devido a suas constantes disputas por território. ‘Se isso for de fato verdade [união entre facções], eu acho uma grande novidade no estado do Rio, considerando o tipo de relação, a forma como o trafico e as facções querem dominar territórios. Seria uma surpresa se as investigações de fato descobrirem que isso é verdade.’
Uma semana depois, em 1o. de dezembro, a Agência Brasil foi ouvir outro especialista que esclareceu e deu mais detalhes sobre as causas dos episódios narrados no dia-a-dia da reportagem. Lendo Crime organizado passa por reconfiguração geopolítica no Rio, diz sociólogo, o leitor pode saber que: ‘O grupo criminoso que controlava o Complexo do Alemão tende a se reorganizar em favelas da Baixada Fluminense, segundo o sociólogo e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) José Claudio de Souza Alves. Na sua avaliação, o que está ocorrendo no Rio é um processo de reconfiguração da geopolítica do crime, que teve início com o surgimento das milícias e foi consolidado com a implantação das unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Para Souza Alves, a carência de policiamento na Baixada Fluminense facilita essa migração dos grupos criminosos, que vem ocorrendo há anos. ‘Se na zona sul você tem um policial para cada 300 habitantes, na Baixada esse número é de um para cada 1.600 moradores. Nova Iguaçu, Mesquita e Nilópolis, somadas, têm 1 milhão e 300 mil habitantes, e só 600 policiais, que trabalham em regime de turno, ou seja, 200 a cada dia. Crítico do que chama de ‘espetacularização midiática’ da atuação das forças de segurança no Rio de Janeiro, o sociólogo considera uma inverdade simplificar o combate ao crime como uma luta do bem contra o mal. ‘Em todas essas comunidades sempre houve a presença da polícia e acordos com facções do crime, além de conflitos, abertos ou não’. De acordo com Souza Alves, o que ‘há na cidade do Rio de Janeiro é um grande projeto de ocupação urbana, que inclui a expulsão da facção mais agressiva do crime das áreas de interesse do estado e do capital’.’
A reportagem da ABr não fez as contas, mas a fonte declarou que em Nova Iguaçu, Mesquita e Nilópolis existe 1 policial para cada 6,5 mil habitantes, ou seja, 20 vezes menos policiais do que na Zona Sul da cidade. Esta, apesar de ser uma informação importante para os leitores avaliarem a eficiência de uma política de segurança, não teve o devido destaque e tampouco, a ultima afirmação do especialista de que ‘há na cidade do Rio de Janeiro um grande projeto de ocupação urbana, que inclui a expulsão da facção mais agressiva do crime das áreas de interesse do estado e do capital’, foi repercutida.
Finalmente, no dia 5 de dezembro, a matéria Ocupação do Alemão deve tornar tráfico menos violento para manter lucro, diz especialista, trouxe alguns esclarecimentos sobre o processo de ‘modernização’ do trafico de drogas mas ainda não conseguiu explicar para os leitores o que isso significa no atual contexto de disputa pela hegemonia entre a facção Comando Vermelho – CV, a Amigo dos Amigos – ADA e a facção Terceiro Comando: ‘Com a presença dos policiais, o tráfico funciona de maneira mais tímida, com menos gente e sem armas, como já ocorre em favelas com unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Nessas locais, observam alguns pesquisadores, as quadrilhas reduzem a sua estrutura, porque não precisam pagar informantes nem corromper policiais. Além disso, acrescentam os especialistas, elas voltam a atrair os clientes às comunidades. Antes, os consumidores evitavam esses locais por causa dos frequentes tiroteios. Assim, os traficantes economizam no custeio da atividade e, ao mesmo tempo, obtêm mais lucros. ‘O tráfico passará a ser mais rentável. Toda aquela fração de recurso disponibilizada para compra de arma e para corrupção é que vai cair. O consumo vai continuar, o número de usuários ainda é o mesmo. Então, a rentabilidade, de forma pulverizada, vai aumentar’, afirma Paulo Storani, pesquisador de ciências policiais da Universidade Candido Mendes e ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar.’
Consideramos que a Agência Brasil não transformou ‘o evento numa panacéia’ como temia o leitor Paulo Timm. Informou com responsabilidade não espetacularizando os acontecimentos, mas talvez tenha ficado devendo em termos de aprofundamento sobre as razões que os motivaram e sobre o que o leitor chamou de ‘severos problemas ‘, como os exemplos citados por ele: a varredura em residências sem alvarás judiciais e a ausência de observadores.
Até a próxima semana.’