Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘Historicamente a imprensa desempenhou um papel quase mágico de levar o público ao local dos acontecimentos por meio de palavras e imagens. Daí resultou grande parte de seu poder e influência sobre a opinião pública, havendo inclusive quem afirme que ‘se a imprensa não deu, não aconteceu’. Esse poder de legitimar os fatos foi conquistado devido à presença dos profissionais no local dos acontecimentos narrando e descrevendo, segundo suas impressões pessoais, aquilo que viam, ouviam e sentiam.

Mas a tecnologia vem mudando a maneira de fazer jornalismo. Hoje, alguns repórteres literalmente sobrevoam as tragédias a bordo de confortáveis helicópteros a centenas de metros de altura – nada de pisar na lama para saber o que as vítimas estão realmente passando. Com o advento da internet eventos são cobertos a partir de redações localizadas a milhares de quilômetros de distância.

Talvez, sabendo disso, o leitor Adilson Borges perguntou para esta Ouvidoria: ‘ A cobertura da Cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu foi decepcionante. Não mandaram ninguém para a cobertura?’

Adilson referiu-se a cobertura da Agência Brasil sobre a 40ª Cúpula dos Presidentes do Mercosul realizada em Foz do Iguaçu (PR), entre os dias 14 e 17 de dezembro. A ABr publicou 11 matérias sobre o evento, dentre as quais 10 de apenas uma repórter como enviada especial.

A decepção do leitor pode ser atribuída ao fato de tratar-se de uma cobertura protocolar limitada à declarações oficiais dos chefes de Estado dos países do Mercosul e de seus convidados de outras nações com as quais foram assinados tratados bilaterais.

Aliás, essa foi a tônica da cobertura inclusive dos principais veículos da chamada grande imprensa – pequenas notas e notícias telegráficas focadas na participação do presidente Lula e de sua sucessora Dilma Rousseff – um se despedindo e a outra sendo apresentada.

Tão importante quanto a Cúpula dos Presidentes, foi a realização concomitante da 10ª Cúpula Social do Mercosul, reunindo mais de 700 integrantes de movimentos sociais provenientes de diversos países da região. Um debate com intelectuais de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai deu início ao evento que foi praticamente ignorado pela ABr. A redação publicou apenas a nota Começa a 10ª Cúpula Social do Mercosul, no dia 14.

Primeira expositora do painel de abertura, a filósofa Marilena Chauí, da Universidade de São Paulo (USP), disse que era importante estar ali, no auditório lotado de militantes sociais. Segundo ela: ‘A ditadura foi continental e levou prisão, tortura e morte para toda a região. Agora, o continente se reúne para debater o oposto disso: inclusão, liberdade e cidadania’.

A palestra da brasileira foi seguida pelas apresentações dos professores Aldo Ferrer, da Universidade de Buenos Aires, na Argentina, e Gerardo Caetano, da Universidade da República, no Paraguai, que ressaltaram a urgência de um projeto de integração regional no Mercosul para que os países cresçam em conjunto por meio do comércio inter-regional, ampliem a soberania, produzam um modelo próprio de organização econômica e fortaleçam a presença no mundo global.

Para Caetano, é preciso avaliar o modelo de crescimento adotado. ‘Desde 2003, a América Latina cresce exponencialmente, mas precisamos ver fazemos isso apenas em exportação de commodities. Se for assim, com a primarização das economias, não teremos desenvolvimento’, diz o historiador, para quem são necessárias políticas públicas para incorporar valores científicos e tecnológicos aos produtos. Segundo o paraguaio, não se deve perder de vista a defesa da igualdade. ‘Também não há desenvolvimento sem democracia e não há democracia sem igualdade. Vivemos o escândalo de ser o continente mais desigual do planeta e não podemos nos abster de pensar no combate a essa discrepância para promovermos um crescimento sustentável’.

Outro palestrante brasileiro que falou para o auditório lotado foi Emir Sader, para quem há muito a fazer para aprofundar as mudanças sociais que estão ocorrendo na América Latina. A começar pela taxação do capital especulativo, que não gera emprego, algo que ele classifica como quebrar o monopólio do dinheiro, mudar o modelo agrário para quebrar o monopólio da terra na mão dos latifundiários e, por fim, acabar com o monopólio da palavra. ‘Há um bloco dos meios de comunicação dirigidos por poucas famílias que se acham donas da informação. Isso deve estar na lista de prioridades dos movimentos sociais para construção democrática e pluralista da opinião pública’(ver aqui).

Durante todo o primeiro dia foram realizados seminários com temas sobre integração, democracia, desenvolvimento, centrais sindicais, segurança alimentar e nutricional, juventude, educação, direitos humanos e comunicação, entre outros. Mas os leitores da ABr não foram informados sobre esses debates.

Os trabalhos dos diversos grupos temáticos e comissões foram encerrados com a realização de uma Plenária que resultou em propostas sobre diversos temas (ver aqui) entregues aos presidentes dos países da América do Sul que integram o Bloco do Mercosul.

Dentre as propostas apresentadas destaca-se a Declaração do grupo de Comunicação (ver aqui), que ressalta: ‘Vivemos tempos de mudança na América Latina. Hoje, mais do que nunca, os grandes meios de difusão que são parte do poder econômico, convertem-se nos principais opositores a essas mudanças, exercendo um verdadeiro terrorismo midiático. Ao mesmo tempo, vemos com otimismo o fortalecimento e a articulação de iniciativas de comunicação transformadoras, populares, alternativas, comunitárias, educativas e outras. Esses meios disputam sentidos, questionam a hegemonia do pretenso discurso único e são expressão das diversidades de nosso continente.’

Em atividade paralela ao evento foi lançado o primeiro ônibus elétrico híbrido com motor a combustível movido a etanol, fabricado no mundo. O protótipo integra o Projeto Veículo Elétrico (VE), da binacional Itaipu. Ele foi utilizado pela primeira vez quando subiram a bordo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros 11 chefes de Estado da América do Sul (ver aqui). Está previsto que o veículo fará o transporte das delegações por ocasião da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Esta notícia também não foi lida nas páginas eletrônicas da ABr.

Até a próxima semana.’