Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Paulo Rogério

‘‘O mais valioso de todos os talentos é aquele de nunca usar duas palavras quando uma basta.’ Thomas Jefferson

Definir o título para uma matéria nem sempre é uma missão fácil. Basta uma palavra mal colocada e toda a edição acaba comprometida. O leitor Lucio Flavio fez um interessante levantamento sobre algumas manchetes do O POVO de julho de 2009 até março de 2010 e detectou que, em várias ocasiões, os editores optaram em utilizar um trecho de música ou algo ligado a filmes como título. ‘Não estou fazendo uma reclamação de como os ‘novos’ jornalistas têm feito suas manchetes. Estou apenas lamentando que quem tem capacidade para escrever um artigo, tem capacidade para – também – escrever a manchete e não precisar ‘chupá-la’ de outro canto’ afirmou ele.

Para exemplificar o que chama de ‘falta de criatividade’ o leitor cita manchetes como ‘Balança mas não cai’ (Gol, dia 24. 3) em referência a um antigo programa de TV, ‘Foi tudo culpa do amor’ (Vida & Arte, dia 18.11.2009), uma música, e ‘Pagador de promessa’ (Brasil, dia 20.10.2009), um filme da década de 60. ‘Essa apropriação demonstra que o jornalista ou está com ‘preguiça’ ou sem criatividade para ter de recorrer a uma frase já pronta’ desabafou.

Senso de humor

A maioria dos títulos citados foi publicada pelas editorias Gol e Vida & Arte. Para o jornalista Rafael Luis, editor adjunto de Cotidiano, e responsável pelo Gol, o recurso é válido. ‘Há alguns anos foi consagrada nas páginas de esportes uma linha subjetiva e que explore o humor nos títulos. Por isso o uso de expressões que rapidamente sintetizem o foco da matéria’ citou. Ele discorda da falta de criatividade. ‘Ao contrário, é preciso ser espirituoso para elaborar alguns títulos. O que não se pode é desgastar o recurso’ explicou Rafael.

Já para Magela Lima, editor-assistente do Núcleo de Cultura & Entretenimento, responsável pelo Vida & Arte, a reflexão é delicada. ‘No jornalismo cultural, uma das dificuldades/desafios é estabelecer diálogo com o leitor. Com isso, retomar uma expressão quer em título ou texto tem, a meu ver, essa finalidade. É nosso desejo que as pessoas sejam capazes de estabelecer conexões’ afirmou ele. Não vejo o recurso como falta de criatividade, mas uma forma de tornar as matérias mais atraentes. Nestas duas áreas a irreverência permite isso. Outras nem tanto. Há, obviamente, sempre que se ter bom senso, fugir de chavões como em ‘A esperança é a última que morre’ ou ‘Entre tapas e beijos’ usados recentemente. Mas vamos reconhecer. O título ‘Forrest Panga’ (Gol, 1.11.2009), que mescla um filme com a história de um corredor de maratonas chamado Pangaré não é para lá de criativo?

Títulos apelativos

Já o leitor Francisco de Assis Garcia alerta para outro fator. Ele diz que O POVO mudou muito nos últimos anos, tendo adotado uma postura de escândalos. ‘O jornal está muito pesado, muito diferente do que era. Partiu para a indústria do escandalismo’ afirmou ele, diante da manchete da última terça-feira (6): ‘Policial é morto; operário mata ladrão a pedradas’. Para ele, alguns títulos são apelativos. A chefia de redação diz estar ciente que algumas abordagens causam incômodo, principalmente às relacionadas com segurança. ‘São manchetes fortes, que dão conta de uma realidade cruel com qual preferíamos não lidar, mas não podemos ignorá-las’ afirmou.

Das sete manchetes usadas pelo O POVO de sábado até a última sexta-feira, duas foram sobre segurança: ‘Dinamite achada destruiria 20 metros de muralha no IPPS’ e ‘Policial é morto; operário mata ladrão a pedradas’. Outras citam o drama do IJF: ‘Caos e desespero na remoção de pacientes’; ‘IJF não tem alvará de bombeiros’ e ‘Operação Vistoria’ em hospitais públicos’. As demais foram ‘Por que ninguém quer enfrentar Cid?’ e ‘O litoral que Fortaleza não enxerga’. Segundo a Chefia de Redação quando se discute a manchete, leva-se em conta fatores como factualidade, relevância, interesse público e perspectiva histórica. ‘Não nos recusamos a debater a opinião dos leitores, mas, como jornalistas temos a obrigação de dar um tratamento digno a todos os temas, mas jamais ignorá-los’.

Tecnicamente, o título deve ser uma síntese precisa da informação mais importante. Há uma série de regras com respeito a tempos do verbo, poder de atração, etc. Alguns jornais & os mais populares & exageram na adjetivação para atrair leitores. Não é o caso do O POVO. Dessas manchetes, a que me causou certo mal estar foi o uso da palavra ‘caos’. Talvez pânico ficasse melhor. O restante da cobertura foi sóbria.

Agilidade premiada

O POVO saiu-se bem em dois momentos durante a semana. O primeiro deles na cobertura da tragédia no Rio de Janeiro. O outro, no mesmo dia, do princípio de incêndio no Instituto José Frota (IJF). Os dois fatos foram o destaque da edição da quarta-feira (7). O jornal optou em dar ênfase ao pânico no IJF, com pacientes colocados no meio da rua. Acertou ao manter o assunto como destaque nas edições seguintes, apontando falhas, criticando a omissão dos gestores e cobrando soluções. Para a catástrofe no Rio, foi criado um símbolo gráfico especial, mudou-se a navegação do jornal e as matérias de agência foram complementadas com o drama dos cearenses que moram na região. Mesmo sem correspondentes no local, a Redação conseguiu boas histórias.’