‘Sim. É o que tenho a dizer quando hoje entrego aos leitores a última Coluna do meu mandato de ombudsman que chega ao seu término depois de um ano de exercício. Apesar de ter relutado inicialmente (e ter declinado da honraria numa tentativa anterior), não me arrependo de ter aceitado o convite de uma das pessoas mais fascinantes que conheci em toda a minha vida: Demócrito Rocha Dummar, presidente do Grupo de Comunicação O POVO, falecido em 25 de abril de 2008. Fui o último ombudsman escolhido por ele. Demócrito proporcionou-me uma experiência penosa, mas, acima de tudo, muito gratificante.
Penosa porque, no exercício da missão, algumas vezes, temos de criticar publicamente companheiros de trabalho, pessoas com quem havíamos convivido lado ao lado, alguns deles durante muitos anos (no meu caso, mais de três décadas) e com quem estabelecemos laços de estima. É a parte dolorosa do trabalho.
Gratificante porque dá oportunidade de o ombudsman afastar-se temporariamente da Redação e ter a instigante sensação de ver e ouvir, a todo o instante, o jornal do ponto de vista do leitor, do público que recebe o exemplar de assinante em casa ou que o compra nas bancas. Tem panorama privilegiado.
O ombudsman, sem nenhum exagero, exerce uma função pública numa empresa privada, como já foi dito antes. Tem mandato para representar o leitor, contando, para tanto, com imunidade no período que passar na função e um ano depois do exercício do mandato.
Como resumir os pontos marcantes dos meus 12 meses de trabalho? Em primeiro lugar, discordo da idéia de que o ombudsman não pode tomar a iniciativa de pronunciar-se, quando houver necessidade, em questões de interesse público. Alguns acham que o ouvidor do jornal deve limitar-se a comentar questionamentos dos leitores nos relatórios internos e Coluna e levá-los à Presidência e à Chefia de Redação.
Eu, no entanto, acredito que, quando o bem-estar da coletividade está em jogo, o ombudsman não só pode, mas deve tomar posicionamento sobre qualquer assunto, cobrando atitudes do jornal e dos jornalistas. Tal prerrogativa está prevista no Regimento do Ombudsman do O POVO, inclusive. Mas esta é opinião individual. Não a estou recomendando para minha sucessora ou meus sucessores.
Mas deixo uma frase emblemática que ouvi de meu amigo e memorialista Luís Edgar Cartaxo de Arruda Júnior: ‘Que o ombudsman jamais perca a capacidade de indignar-se’.
Leitores
Na Coluna procurei, ao longo desses 12 meses, dar o máximo de espaço às queixas de leitores e de pessoas que se sentiram prejudicadas com matérias publicadas pelo jornal. Isto é obrigação, podem dizer alguns, mas sinto que há necessidade de mais atenção para esses reclamos que ficam reduzidos, na maioria das vezes, às cartas dos leitores ou a pequenas notas na seção ‘Erramos’ e, em alguns casos, nem isso. A Coluna do Ombudsman procurou suprir essa lacuna ainda hoje existente. Foi válvula de escape para omissões muitas vezes involuntárias da Redação. Contabilizei 49 colunas e 336 comentários internos.
Pauta
A visão panorâmica desfrutada pelo ombudsman, na solidão de sua sala, lhe dá oportunidade para sugestão de pautas para a Redação. No exercício do meu mandato, procurei despertar a atenção de editores de núcleos e indicar assuntos para reportagens. Foram sugestões dadas por leitores através de telefonemas, e-mails e até mesmo em abordagens pessoais, nas ruas da cidade. Tenho a grata satisfação de reconhecer que, na maioria das vezes, fui atendido nessas sugestões (ou temas provocados por debates nesta Coluna) pela Redação, principalmente a Reportagem Especial e o Núcleo de Cotidiano. Entre os temas que me lembro agora estão: abordagem mais aprofundada sobre os tumultos que ocorreram no Centro de Fortaleza nas proximidades do Natal; matéria sobre Tadeu, o morador de rua paulista e ex-universitário que perambulava na malha central da cidade; o avanço do crack na Capital, que atinge até setores da classe média; série de reportagens sobre nomes de ruas e avenidas em Fortaleza. Sinto-me gratificado por ter contribuído, na minha função, para o aprimoramento do jornal. Agradeço de modo especial à Tânia Alves, editora-executiva do Núcleo de Cotidiano do O POVO.
Agradecimentos
Tenho mais agradecimentos a fazer: em primeiro lugar à presidente do Grupo de Comunicação O POVO Luciana Dummar que, a exemplo do pai, Demócrito Rocha Dummar, procura fortalecer o cargo de ombudsman e jamais interferiu no trabalho deste ouvidor. A todos os colegas de Redação que tiveram a paciência de tomar conhecimento das minhas críticas (e até os que não tiveram paciência). Com dois deles tive momentos mais tensos: Alan Neto, profissional valoroso, a quem tenho grande estima sedimentada em mais de 30 anos de convivência; Fábio Campos, de quem discordei em algumas vezes, mas devo reconhecer que se trata de um dos maiores talentos surgidos na imprensa cearense de 20 anos para cá.
Obrigado especial ao integrante do Conselho Editorial do O POVO e professor universitário Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes e aos leitores José Mário da Silva e Ireleno Benevides.
Nova ombudsman
A nova ombudsman, Rita Célia Faheina, assume o cargo no próximo dia 7. É repórter do Núcleo de Cotidiano do O POVO (faz matérias para as páginas de Ceará) e está neste jornal desde 1988. É detentora de importantes prêmios de reportagem (nacionais, inclusive). Tem formação católica, mas é uma pessoa de espírito aberto a todas as crenças e respeita até os que não têm crenças como este ombudsman, além de ser notável figura humana. Sucesso, Ritinha.
81 anos
Última sugestão do ombudsman: na passagem dos 81 anos do O POVO que se corrijam algumas omissões do aniversário dos 80 anos, quando foram deixados de lado figuras importantes na história deste jornal, como os jornalistas José Maria Melo (pioneiro do plantão no aeroporto) e Sílvio Carlos (legenda do esporte amador no Ceará) e muitos outros que foram esquecidos.’