‘Bato-me, freqüentemente, nos comentários internos à Redação, para que os
jornalistas sejam rigorosos na escolha das palavras. Um vocábulo mal colocado
pode mudar completamente o sentido de uma frase. Geralmente, há uma palavra
precisa para definir cada situação. Observo, muitas vezes, quem nem mesmo o
sinônimo mais elementar de determinada palavra é respeitado por alguns
redatores.
Além disso, há outro problema, na reprodução da fala dos entrevistados. Não é
incomum o repórter expor em seu texto declarações de difícil compreensão ou que
acabam por ganhar sentido diferente daquele pretendido pelo entrevistado. O
jornalista é um mediador entre a fonte de informação e o leitor. Ou seja, ele
tem de ‘traduzir’ a fala para a linguagem escrita, de tal maneira que o leitor
possa entender a mensagem de forma clara.
Vejam esse trecho da notícia publicada na edição de sexta-feira, pág. 27, na
editoria de Economia, a respeito da disputa judicial para que as farmácias
limitem a 15% o desconto no preço dos remédios: ‘Segundo ele (o promotor) a
(sentença determinando o limite de descontos) é nula porque foi emitida por um
juiz absolutamente incompetente, uma vez que o artigo 109, inciso 6º, da
Constituição Federal e o artigo 64 da lei 8.884/94, dispõem que o caso é da
competência da Procuradoria da República e, em conseqüência, o julgamento
caberia à Justiça Federal’. Os que militam na área jurídica, hão de compreender
o que quis dizer o promotor, mas o senso comum pode entender a ‘incompetência’
atribuída ao juiz como sinônimo de ignorância. Bastaria ter-se escrito: ‘Para o
promotor, a sentença é nula, pois o julgamento do processo seria de competência
da Justiça Federal’.
‘Remotivar’
Vez por outra também se usa palavras inexistentes na língua portuguesa, como
foi o caso do título de ‘Hora de remotivar’, na editoria de Esportes, pág. 13,
edição de sexta-feira. Apesar de ser compreensível o engano, pois segue a lógica
da formação de outras palavras com o sentido ‘fazer de novo’, ‘remotivar’ não é
registrado pelos dicionários, portanto, é deseducativo usá-la sem mais
explicações. Aos que se apressam a dizer que o jornalista tem direito de criar
neologismos, lembro a zombaria formada em torno do ex-ministro do Trabalho
(governo Collor), Rogério Magri, quando ele pronunciou a palavra ‘imexível’, tão
inexistente na língua quanto ‘remotivar’.
Volp
No Brasil, as regras ortográficas oficiais são definidas Academia Brasileira
de Letras (ABL). Entre os documentos que regem a ortografia está o Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp). A obra registra mais de 360 mil
palavras, obviamente com a forma correta e oficial de escrevê-las. A versão
online pode ser consultada no endereço (www.academia.org.br/vocabulario/frame4.htm).
Ironia ou insipiência?
A foto acima, de autoria da repórter-fotográfica |
quiseram ironizar, sugerindo um significado inverso ao sentido literal da frase
– confrontando-a com a fileira de policiais, ou foi um erro crasso de português?
Se eles tivessem exigindo o afastamento do aparato de segurança, a frase correta
seria ‘Não à repressão’, sem esquecer o sinal indicativo de crase. Pela
qualidade do ensino hoje – e observando-se a reduzida sofisticação de tal
movimento –, o mais provável é ter sido um erro, mesmo porque há
incompreensíveis três pontos após o verbo haver. Estes deveriam estar no fim da
frase se o objetivo fosse sugerir sarcasmo. Porém, não custa conceder o
benefício da dúvida aos afoitos manifestantes.
Camisa trocada
Na edição de quinta-feira, uma das fotos da primeira página estampava o lance
de um jogo disputado esta semana em Fortaleza, com a seguinte legenda: ‘O
volante Marcelo Lopes cabeceia para marcar o primeiro gol do Fortaleza diante do
Ituano’. O leitor Francisco Xavier de Souza telefona para dizer que a legenda
estava errada. Respondo que o jogador havia mesmo marcado um gol de cabeça. O
leitor concorda, mas liquida a questão: ‘Só que ele marcou o gol no segundo
tempo, quando o Fortaleza jogou com o uniforme branco’. De fato, na foto, o
jogador estava com a camisa azul, com o qual o time jogou no primeiro tempo. É
sempre surpreendente a capacidade de observação dos leitores.
A melhor profissão?
No dia 7 de abril comemorou–se o Dia do Jornalista. A propósito, vejam trecho
do texto ‘A melhor profissão do mundo’, do Prêmio Nobel de Literatura e
jornalista Gabriel Garcia Marques.
‘Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e
humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu
essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem
não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição
moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha
nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa
profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia,
como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não
torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte’.’