Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Plínio Bortolotti

‘É comum ver-se em jornais títulos como aquele que O Povo estampou na primeira página da edição de sexta-feira: ‘Engenheiro assassinado em tentativa de assalto’, podendo haver variações quanto à profissão, desde que peculiar às classes médias ou ricas, ou quando a vítima é um jovem pertencente a essas categorias. Recentemente, criou-se um clamor na cidade porque um universitário foi morto em situação parecida à que vitimou o engenheiro. Mas é incomum ler-se manchetes do tipo ‘Pedreiro é morto em assalto’, ou a notícia ter destaque quando são assassinados jovens pobres, o que acontece com uma freqüência assustadora. (No Brasil, o homicídio está entre as principais causas da morte entre jovens de 15 a 24 anos.) Se em uma ou outra situação vidas se perdem, qual o motivo de umas adquirem mais valor e mais visibilidade do que outras?

São os pobres as maiores vítimas da violência, mas, nesses casos, a tragédia só vem à tona quando as mortes acontecem no atacado, como foi o caso da chacina na Baixada Fluminense, no fim do mês passado, quando um esquadrão da morte assassinou 31 pessoas em uma noite. Esse é o numero aproximado de assassinatos que acontece semanalmente na região, sem que os jornais destaquem o morticínio. É preciso que a selvageria cotidiana concentre– se, ou aumente alguns graus, para levar o assunto para as manchetes, despertando por alguns momentos a sociedade da letargia. Depois, o assunto cai novamente no esquecimento, como foi no caso da chacina de Vigário Geral (21 mortos) e da Candelária (oito crianças assassinadas), ambos os casos acontecidos no Rio, em 1993 – e nos dois casos tendo PMs como acusados dos crimes.

O coordenador do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Renato Roseno, tem uma explicação para esse fato. Para ele, ‘o padrão de desigualdade da sociedade brasileira faz com que a vida das pessoas tenha valores diferenciados’. Algumas pessoas, diz ele, têm menos valor pela sua condição social, lugar onde moram, ou pela cor da pele. (A violência atinge mais os jovens negros do sexo masculino.) Dessa maneira, diz, os pobres transformaram– se em uma legião de ‘desaparecidos sociais’, pois a violência contra eles tornou-se ‘natural’, ao contrário do que ocorre quando atinge as classes médias ou os ricos. ‘Isso nos aproxima da barbárie’, conclui o coordenador do Cedeca.

Para o diretor executivo da Redação do O Povo, Carlos Ely, a questão não pode ser encarada de uma forma ‘tão cartesiana’. Ele afirma que a decisão de levar um assunto para a manchete de primeira página ‘envolve uma série de questões bastante complexas’, pois ‘é preciso considerar as características e a amplitude de cada caso’. ‘Infelizmente´, diz ele, ‘é fato que a desigualdade social faz de pessoas pobres e marginalizadas o alvo preferido da violência. As próprias estatísticas mostram que seria impossível aos jornais tratar sempre todos os casos com o mesmo peso. Isto nos obrigaria a dar manchetes policiais praticamente todos os dias do ano’. Por isso, conclui o diretor da Redação, ‘ao se eleger um assunto para manchete, temos de considerar uma série de fatores: desde quem é o público do jornal até as características que fazem daquele acontecimento um fato novo e instigante para os leitores. O papel político do jornal é o de contribuir para a mobilização da sociedade, provocando nos leitores um sentimento de indignação e desejo de mudança’.

Cabeças cortadas

O fato inescapável é que os periódicos, de maneira geral, dão destaque àquilo que toca mais de perto seu público leitor, normalmente de classe média. Como se pode supor pelas palavras do diretor de Redação, os jornais operam a partir daquilo que supostamente é ‘novo’, menos comum. Como a classe média consegue, de uma forma ou de outra – ainda – se proteger um pouco da violência, quando esta lhe bate às portas, transforma-se em notícia. Porém, tornou-se normal matar e morrer nas periferias; a violência banalizou-se de tal modo que deixou de ser notícia, a não ser quando cadáveres ficam expostos nas ruas, ou quando cabeças são lançadas por sobre muros de quartéis, como aconteceu no Rio de Janeiro.

Preto Brás

Esta semana, recebi carta do leitor Cícero Coelho de Almeida, afirmando que no artigo ‘Deixemos Paulo Coelho em paz’ (edição de 9/4, pág. 6), o jornalista Felipe Araújo usa a frase ‘porcaria de cultura, tanto bate até que fura’, um verso da música ‘Cultura lira paulistana´, de Itamar Assumpção, sem dar o crédito ao compositor, e ‘sem ao menos’ por o trecho entre aspas. Junto com a carta, veio a cópia da capa do disco ‘Preto Brás’, na qual a letra da música está impressa.

O jornalista diz ter usado o verso em seu texto por ser Itamar Assumpção um dos compositores mais admirados por ele. Felipe declara ter posto a frase ‘seguida de reticências’ para ‘evidenciar que ela se desdobra em debate outro, mais amplo, como forma de referenciar uma determinada postura diante de alguns produtos culturais que passam (ou tentam passar) pela ironia e pela acidez do compositor paulista’. Felipe afirma que não quis se ‘apropriar da frase’, mas apenas utilizar-se de uma expressão que ele crê ‘relativamente corriqueira em alguns debates sobre cultura’. Para Felipe, nesse tipo de situação (o artigo assinado por ele), a citação da autoria não seria necessária, pois ‘ela soa recorrente’, mas reconhece ‘que o texto ficaria mais preciso com a respectiva informação’.

O leitor tem razão em cobrar o crédito ao compositor, ou pelo menos as aspas na frase, para indicar outra autoria. Outra questão a observar é a seguinte: nada do que um jornalista escreve passa impunemente.’