Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Respeitadas as balizas legais e as normas que regem a inserção de anúncios nos jornais, quais outros limites devem ser observados por aqueles que compram espaços nos periódicos? Quais limites os jornais podem impor aos clientes?

Confesso ter passado a semana inteira pensando nisso, depois de ter recebido correspondência da assessoria de imprensa do hospital municipal Instituto Dr. José Frota (IJF) classificando de ‘difamatória’ uma nota divulgada no informe publicitário ‘Fato Médico’. Essa página publicitária difunde informações sobre médicos e suas atividades sociais e profissionais, e vem inserida, há cerca de seis meses, no caderno semanal Ciência & Saúde.

Mas, na edição da semana passada, o informe ‘Fato Médico’, foi além disso, fazendo um sério ataque ao IJF e ao seu diretor médico, Emiliando Raimundo. Sob o título ‘Flagrante de uma administração petista’, anota-se o seguinte: ‘O Instituto Dr. José Frota era conhecido como o hospital que atendia indistintamente a todos os pacientes. Entretanto, esta administração tem uma nova característica. Os (…) pacientes oriundos de Jaguaretama têm atendimento diferenciado. Não pegam fila, são atendidos eletivamente em horário distinto em lugar diferenciado. O Dr. Emiliando Raimundo, diretor médico do IJF, candidato derrotado a prefeito de Jaguaretama, pelo PT, montou seu escritório eleitoral dentro do hospital como se fora particular. Precisa (sic) urgentemente que o Conselho Regional de medicina e a Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Fortaleza coíbam tal prática. Fato Médico deletério à moral e aos cofres públicos’. (Ilustra o texto a foto de uma fila de pacientes em um dos corredores do IJF e uma fotografia do médico Emiliando Raimundo.)

Ressalve-se que O Povo toma todos os cuidados para demarcar o informe ‘Fato Médico’ como publicidade, como faz com os demais anúncios: há uma cercadura enquadrando os textos e, no alto da página, a advertência em letras bem visíveis: ‘Informe publicitário’. A regra sobre o assunto, anotada no Código de Ética da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), estabelece em seu artigo 9º: ‘Diferenciar, de forma identificável pelo leitor, material editorial (notícias, artigos, colunas de jornalistas, etc) e material publicitário’. Isso é seguido rigorosamente pelo O Povo. Mas, bastaria para que o jornal abrigasse a nota acima, sem que a parte ofendida fosse ouvida? Se fosse ‘material editorial’, a resposta inequívoca seria ‘não’. Mas, tratando-se de uma matéria paga, essa norma jornalística pode deixar de ser observada?

O diretor médico do IJF Emiliando Raimundo, nega que haja tratamento diferenciado para os pacientes. ‘O IJF é um hospital público, e atende a todos indistintamente’, afirma. Ele diz que O Povo foi ‘usado’ para ‘execrá-lo publicamente’, atingindo ainda ‘o Partidos dos Trabalhadores, a administração municipal, e o IJF’. Para o médico, também sofreram ofensa os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), por terem suas imagens (como a dele) divulgadas sem permissão, ‘nessa calúnia, publicada como se fosse notícia’.

No informe ‘Fato Médico’ não há nenhuma assinatura da pessoa responsável pela página. Falei com o Departamento Comercial do jornal, recebendo a informação de que contrato de publicidade está em nome da empresa Markmédica – Marketing, Publicidade, Informação e Comunicação em Saúde. Liguei para a empresa, e falei com Oziel de Souza Lima, este se disse ‘coordenador’ da página ‘Fato Médico’, mas informou que a Markmédica está registrada em nome de sua mulher e de um filho. Oziel é anestesiologista e também médico no IJF, onde trabalha desde 1978, segundo suas próprias informações. Para ele, ‘qualquer pessoa’ tem o direito de veicular informação nos meios de comunicação, ‘principalmente quando se trata de interesse público’. Depois dessa conversa por telefone, Oziel procurou o ombudsman pessoalmente, mostrando correspondência que ele dirigira ao superintendente do IJF, na qual repete as supostas irregularidades e anexa à carta ‘matéria veiculada na imprensa local, O Povo…´ (isto é, a cópia do texto que ele mesmo escrevera no ‘Fato Médico’), para que o superintendente do hospital ‘constatasse’ a sua ‘assertiva’ (as denúncias).

Expostos os fatos, faço as seguintes considerações: 1) As páginas e colunas de ‘informes’ de empresas, associações profissionais e grupos sociais, são comuns em jornais de todo o país – é um direito o qual não se pode cercear o seu exercício; 2) no caso específico do O Povo, sugiro que, a partir de agora, todas as páginas ou colunas publicitárias de ‘informes’, além dos cuidados já observados, tragam, de forma clara, o nome do responsável (ou responsáveis) e a forma de se comunicar com ele; 3) que o Departamento Comercial, ao negociar tais espaços, informe-se dos objetivos dos clientes e, ao aceitá-los como pertinentes, anote-os em contrato; 4) o contratante também deve ter conhecimento, por algum tipo de instrumento formal, das conseqüências legais e éticas a que estão sujeitos os que usam os meios de comunicação para divulgar informações; 5) o jornal deve proibir, sob pena de implicações legais, que esses ‘informes publicitários’, sejam apresentados, por qualquer meio, como se fossem ‘matéria’, isto é notícia produzida pelo jornal, como fez o médico Oziel de Souza Lima na carta ao superintendente do IJF.

Por fim, os leitores devem ficar atentos aos sinais indicativos, listados acima, a separar aquilo que é ‘material editorial’ do que é propaganda, mesmo que esta venha a ter, eventualmente, algumas características das notícias.’