‘O que é mais importante: a crise política que se espalha a partir de Brasília ou o espetacular roubo no Banco Central em Fortaleza? A se julgar pelos jornais da cidade, o roubo contra o Banco Central, do qual uma quadrilha levou mais de R$ 164 milhões no fim de semana passado, tem a proeminência no momento. O assunto ganhou manchete de capa na terça-feira em todos os periódicos da cidade e se manteve na primeira página nos três dias seguintes. (A coluna é concluída na sexta-feira.) Para alguns dos principais jornais brasileiros, a importância entre a crise política e o roubo em Fortaleza, pelo menos das edições de terça-feira, foi equivalente, pois o destaque entre os dois assuntos foi parecido. Na terça-feira, o roubo ao Banco Central tirou completamente da primeira página do O Povo a crise, corrupção e CPIs, assuntos que vinham se mantendo na capa desde o dia 1º de julho.
Notícia – diz uma de suas definições clássicas – é o fato inédito, surpreendente; o que é de interesse de um grande número de pessoas. Há uma velha boutade, atribuída ao editor americano Charles Dana (1819-1879), a traduzir de forma irônica o que os jornalistas consideram noticiável: ‘Quando um cachorro morde um homem, isso não é notícia. Se um homem morde o cachorro, isso é notícia’. O editor de um jornal, ao definir a manchete, procura responder às seguintes perguntas: ‘Que interesse social tem essa informação? ‘Qual dos assuntos interessa a mais pessoas? ‘O que está mais próximo dos leitores? Certamente, o roubo no Banco Central atendeu todos os requisitos para se sobressair, principalmente depois de certa fadiga pela overdose de denúncias e CPIs. Mesmo porque, estas passaram a se assemelhar às novelas, das quais não têm importância perder um capítulo (ou sessão), pois o de amanhã vai repetir o de hoje.
Logicamente, seria hipócrita omitir, os editores também se preocupam com a venda do jornal que põem nas ruas. Mas, nos jornais que levam a sério o seu papel, essa preocupação está subordinada à idéia da função social da imprensa. Caso contrário, as manchetes seriam reduzidas às notícias de maior apelo popular. Não deve ser apenas a curiosidade pública a pesar na hora de se definir o que é noticiável, ou aquilo a merecer destaque. Deve-se levar em conta o interesse da sociedade. Há momentos em que as duas coisas coincidem; em outros se divorciam. O público pode ter, por exemplo, curiosidade por bisbilhotar a vida pessoal de um político ou de um empresário, mas o jornal não tem o direito de expô-los apenas para satisfazer indiscrições.
No caso do BC, havia tanto o interesse social – pelo envolvimento de instituições públicas, como o próprio banco e as polícias –, como também o desejo de se saber como o fato aconteceu. Não há como negar: o roubo – por ter ocorrido em Fortaleza, pela forma de agir dos bandidos e pelo valor subtraído – despertou imensa curiosidade, a ponto de a casa alugada pela quadrilha, usada como disfarce para permitir a perfuração do túnel que os levou ao cofre do banco, ter-se transformado em ponto turístico. É um caso de interesse público (social) casado com o interesse do público (a curiosidade).
Voltando à pergunta inicial: qual dos fatos é mais importante? Se pensarmos na dimensão dos acontecimentos e nas conseqüências por vir, certamente a crise política na qual o País vive. Por isso, O Povo errou ao elevar a principal destaque de suas últimas edições o roubo ao Banco Central? Como o jornal tem de ter uma perspectiva histórica, mas trata de fatos cotidianos, acho que não. Mas é um bom debate. Considero esta coluna como continuidade das duas anteriores, nas quais venho tentando revelar aos leitores algumas facetas do ofício jornalístico.
Roubo ou assalto?
Alguns leitores telefonaram para reclamar que os jornais, inclusive O Povo, erram ao classificar a ação da quadrilha contra o Banco Central de ‘assalto’. Para eles, ‘assalto’ significa ‘ataque inesperado’ envolvendo algum tipo de violência física ou psíquica contra pessoas, o que não aconteceu. Falei com dois craques no assunto: o professor de Língua Portuguesa Myrson Lima e com o filólogo José Alves Fernandes. Alves é autor do Dicionário de Formas e Construções Opcionais da Língua Portuguesa (edições UFC) e foi professor de Filologia Românica, Latim e Grego, na Universidade Federal do Ceará e na Universidade Estadual do Ceará.
Para o professor Myrson Lima, ‘rigorosamente’, assalto pressupõe ‘alguma forma de violência contra a pessoa’, uma ‘ação impetuosa’, mas reconhece que, na ‘linguagem comum não se faz muita diferença entre roubo e assalto’. O filólogo José Alves também afirma que haveria ‘mais precisão’ com o uso da palavra ‘roubo’ ou ‘furto’. ‘Os cuidados (dos ladrões) evitaram o assalto e a violência contra pessoas’, portanto, a ação estaria mais próxima de ser classificada como roubo, diz ele. Porém, Alves não condena o uso do vocábulo ‘assalto’ para se referir ao roubo. Para ele, houve algum tipo de violência, pois a quadrilha arrombou o piso do banco para chegar ao cofre.
Furto e roubo
Do ponto de vista estritamente jurídico, para efeito de enquadramento no Código Penal, a ação da quadrilha caracteriza-se como furto (art. 155), mais especificamente furto qualificado (com agravante), pois houve ‘destruição de obstáculos’ (arrombamento do piso). A pena é de reclusão de dois a oito anos e multa. Roubo, segundo o Código Penal, só acontece quando há ‘grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido a impossibilidade de resistência’ (art. 157)’