‘Em seu depoimento na terça-feira à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, Roberto Jefferson, agora afastado da presidência do PTB, não atacou apenas partidos e políticos. Sobrou também para os principais veículos da mídia: a revista Veja, o jornal O Estado de S. Paulo e o sistema Globo (revista Época, jornal O Globo e TV Globo). Para o Sistema Globo, Jefferson reservou o qualificativo de ‘diário oficial do governo’. Da Veja e do Estado de S. Paulo, disse que estariam determinados a destruí-lo. Para o deputado, entre os meios de comunicação citados em seu depoimento, apenas a Folha de S. Paulo não faria parte da campanha pelo seu ‘linchamento’, por isso teria escolhido o jornal para dar a entrevista que detonou a bomba do ‘mensalão’ (edição de 6/6). Os jornais deram pouco destaque a esses pontos da apresentação de Jefferson. A mídia evita olhar para o próprio umbigo, a não ser para auto-elogios.
Nos trechos mais contundentes a respeito desse tema, o deputado disse que teria pedido ao ex-ministro José Dirceu para ajudá-lo a evitar notícias negativas sobre ele, depois de a revista Veja (edição de 19/5) ter divulgado a fita de vídeo em que o ex-diretor dos Correios, Maurício Marinho, aparece embolsando R$ 3 mil de uma suposta propina e jactando-se de operar sob o comando de Jefferson. Segundo o deputado, na conversa com Dirceu, este lhe dissera que na Veja não tinha como intervir, pois a revista era ‘meio tucana’; mas no O Globo, ele poderia ‘segurar por cima’. ‘Não segurou’, completou Jefferson, afirmando que os ataques contra ele teriam recrudescido a partir de então (primeiros dias de junho).
Depois do depoimento do deputado à Comissão de Ética, a Rede Globo defendeu-se em seus jornais (na TV e no impresso), usando a afirmativa ‘não segurou’ de Roberto Jefferson como um atestado de que não se submetera às supostas pressões. Mas o fato é que, no mínimo, a afirmação do presidente licenciado do PTB, presta-se a duas interpretações: 1) Dirceu tentou, sem conseguir, ‘segurar’ o noticiário negativo no O Globo, pois o jornal não teria se curvado ao seu pedido; 2) o ex-ministro ‘não segurou’ o noticiário de propósito, para manter Jefferson sob pressão. O mais provável é que o ‘não segurou’ de Jefferson se referia à segunda hipótese, pois nos momentos seguintes de seu depoimento, ele reclamou que os veículos da Rede Globo teriam publicado, depois de sua conversa com Dirceu, ‘matéria encomendada’ contra ele, como teria sido o caso da edição de 5 de junho de O Globo, em texto mostrando a suposta extensão do poder do deputado na máquina federal.
Isso não quer dizer, obviamente, que Dirceu tinha (ou tem) controle sobre o que publica ou se deixa de publicar esse ou aquele veículo de comunicação, ou especificamente o Sistema Globo. Há a possibilidade de a conversa entre Jefferson e Dirceu não ter existido; de ter acontecido, mas não nos termos descritos pelo depoente; e também, de o ex-ministro ter feito apenas uma ‘bravata’ para mostrar-se poderoso ou para apaziguar momentaneamente o deputado. O fato é que o Sistema Globo usou a frase de modo a corroborar a sua interpretação.
Analisando-se os últimos acontecimentos, percebe-se que a TV Câmara e a TV Senado vêm prestando um ótimo serviço à democracia, tanto por lançar luz sobre o que se passa no Parlamento, como por permitir o cotejamento do fato com aquilo que a mídia divulga (a notícia). Foi muito ilustrativo, além do episódio comentado acima, conferir como as redes de televisão escolheram, do depoimento do deputado, as cenas e falas que divulgaram e a forma como o fizeram (a isso se chama ‘edição’). Algumas TVs mostraram um Jefferson contraditório e histriônico; outras um deputado detalhista e seguro das acusações que fazia.
Reconheça-se: é difícil encontrar o ponto de equilíbrio ao se reduzir (editar) um discurso de mais de seis horas a poucos minutos ou a poucas linhas, para apresentá-lo ao espectador ou ao leitor, porém, esse é o ofício dos jornalistas. Mas é forçoso reconhecer também que nesse trabalho emerge tanto a subjetividade dos editores, como os possíveis interesses de cada empresa. E estes não são, como se pode supor, unicamente interesses comerciais, apesar destes estarem presentes. Todos os homens e agrupamentos humanos (empresas, instituições, igrejas, família), são resultado de uma cultura, tradição, usos e costumes, que deságuam em uma determinada visão de mundo que a tudo perpassa. É essa luta ingente que o bom jornalismo (jornalistas e empresas de comunicação) tem a obrigação de travar diariamente: como evitar que essa ideologia (isto é, visão de mundo) contamine a notícia, a que o leitor tem o direito de receber de forma mais objetiva possível, sem distorções, para formar seu próprio julgamento.
A luta por aproximar a notícia do fato é diferente da ‘neutralidade’, pois não se pode exigir ‘imparcialidade’ do jornalista frente ao crime ou à corrupção (questões afeitas ao terreno da ética). Portanto, as armas do jornalismo em busca da objetividade têm de ser o conhecimento, a inteligência, o treino e o exercício cotidianos. Não se trata aqui daquela crítica fácil, a sugerir que a mídia faz parte de um ‘complô’ para ‘enganar o povo’, mas de um alerta para intensificar espírito crítico do leitor e do espectador: de um fato é possível extrair dezenas de leituras, pois eles passam pela peneira da subjetividade e dos interesses humanos. De um fato é impossível apreender todas as nuances, pois toda notícia é apenas um recorte e uma representação da realidade, não a realidade em si. Temos ainda de nos debater com os recursos extremamente limitados da escrita e da imagem, absolutamente insuficientes para traduzir o fato em notícia, em toda a sua extensão. Tudo isso, torna uma utopia o trabalho de capturar a realidade em toda a sua inteireza.’