‘Na edição de segunda-feira foram publicadas duas páginas na editoria de Cotidiano sobre casas de parto, em uma seqüência de notícias em que o jornal vem abordando o tema neonatologia. Autorizadas a funcionar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) por portaria do governo federal, são locais que pretendem propiciar o parto natural, ‘humanizado’, fora dos hospitais. Em Fortaleza, uma dessas casas, fruto de convênio entre a Prefeitura de Fortaleza, a Maternidade Escola Assis Chateaubriand, a Universidade Federal do Ceará e o Ministério da Saúde – já fazendo pré-natal e prevenção de câncer em mulheres há quatro anos – deverá começar a fazer partos brevemente. O funcionamento desses centros de parto natural, somente para casos de baixo risco, exige uma série de equipamentos médicos, além de uma ambulância em condições de transportar rapidamente mãe e criança para um hospital, em caso de complicação.
A equipe mínima exigida para o funcionamento dessas casas de parto é de uma enfermeira com especialidade em obstetrícia, um auxiliar de enfermagem, um auxiliar de serviços gerais e um motorista de ambulância. Não é obrigatória a presença de médico, o que opõe a essas casas uma boa parte desses profissionais e suas entidades representativas. De outro lado, defendendo as casas de parto, ficam, principalmente, as enfermeiras e suas entidades.
A presidente da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiras Obstetras, seção Ceará, Kaelly Virgínia de Oliveira Saraiva, viu ‘desequilíbrio’ nos vários textos sobre o assunto publicados nas páginas 8 e 9. Ela acha que se deu mais destaque às informações contrárias às casas e divulgou-se uma pesquisa encomendada por uma entidade contrária aos centros de parto natural (a Sociedade Cearense de Ginecologia e Obstetrícia).
Responsável pela reportagem, o jornalista Raimundo Madeira diz ter procurado o equilíbrio, ouvindo ‘opositores e defensores do atual modelo de casa de parto’. Foram ‘mais fontes (sete) respondendo as críticas do que apontando críticas (cinco), responde Madeira. Quanto ao número, o repórter tem razão, mas um texto jornalístico não se resume a isso. Os dois títulos principais: ‘Casa de parto funciona sem médico’ (pág. 8) e ‘Pesquisa: 49% das grávidas não querem ir para casa de parto’ (pág. 9), são negativas aos centros de parto natural. Sobre o título da pág. 9, Madeira diz ser uma ‘informação pertinente’ sobre o assunto. Mas, digo eu, também poderia ter pertinência o título ‘Casas defendem parto humanizado’. Não que o título escolhido esteja ‘errado’, mas era uma possibilidade entre muitas, indicando a escolha de determinado viés.
Quanto à pesquisa, deu-se destaque no título ao fato de 49% das grávidas terem dito não querer parir em uma casa de parto. Mas, no texto, pode-se ler que 74% das entrevistadas não sabiam o que era uma casa de parto. Depois de serem informadas pelo pesquisador ‘que se tratava de um espaço onde podem ser feitos pré-natal ou parto, sob a orientação de um enfermeiro e auxiliar de enfermagem, sem auxílio médico e pelo SUS’, é que as mulheres respondiam ao questionamento. Assim fica difícil. Se elas fossem informadas, por exemplo, que ‘as casas de parto são locais onde elas vão receber assistência de uma enfermeira obstetra (profissional que faz um curso superior de quatro anos e mais um de especialização), poderão escolher a forma de parir e ainda ter, no momento de trazer o filho à luz, o acompanhamento do marido ou de outra pessoa que ela poderá escolher, com uma ambulância para transportá-la ao hospital se houver complicação’, é bem provável que a resposta fosse outra. A pesquisa nunca é uma verdade em si mesma e tem de ser vista com olhar crítico, principalmente a forma como são formuladas as perguntas.
A chamada sem notícia
A manchete da capa da edição de quinta-feira – ‘General assume e descarta crise’ – traz a seguinte informação na última linha do texto da chamada para a notícia nas páginas internas: ‘(…) o governador Lúcio Alcântara reclamou da imprensa e concursados da Polícia Civil fracassaram em tentativa de protesto’. A notícia era sobre a posse do general Théo Basto como secretário da Segurança Pública do Ceará. Apesar da chamada, o leitor que procurasse a informação sobre o protesto na pág. 4, onde deveria estar, não a encontraria. Por falta de espaço, o editor descartou o texto sobre a manifestação, mas esqueceu-se de refazer a chamada. O protesto era de aprovados em quatro fases do concurso, ainda não convocados pelo governo do estado para fazer a última fase: o curso na Academia de Polícia Civil.
O erro trouxe outra conseqüência. Um dos manifestantes questionou, além da falta da notícia anunciada, o uso do termo ‘fracassar’ para definir o protesto. Segundo esse leitor, que pediu para não ser identificado, não teria havido ‘fracasso’. Os 25 manifestantes – sob ameaça de prisão – teriam sido proibidos, por um capitão da PM, de abrir uma faixa com os dizeres: ‘Concurso da Polícia Civil: três anos em andamento – Academia já’. Falei com o coronel Zenóbio, chefe da Casa Militar do governo, ele disse que o protesto não foi proibido, mas que o oficial, sob a orientação dele, havia conversado com os manifestantes pedindo-lhes que não estendessem a faixa em frente à sede do governo, ‘pois o momento era impróprio’, no que teria sido atendido. O jornalista Luiz Henrique Campos, que não viu o diálogo (ou o entrevero) entre os manifestantes e o capitão, disse ter reproduzido as duas versões no texto não publicado. Ele diz também não ter usado o verbo ‘fracassar’ para qualificar o protesto.
Conferindo com a lupa
O primeiro caso comentado revela que entre várias formas possíveis de expor um fato o jornalista tem de escolher uma delas. Isso não é um indicativo de intenção deliberada de distorção ou de prejudicar um ou outro lado. No caso em pauta, trata-se de um jornalista experiente e de conduta ética irrepreensível. Como comentei na semana passada, a luta do jornalista é por aproximar o seu relato da realidade, mas não há como açambarcar todos os sentidos de um fato. O segundo comentário mostra que em uma redação de jornal a notícia passa por várias mãos: do repórter, do editor, do jornalista responsável pela chamada, o que pode provocar, além do erro evidente, até a interpretação de ‘fracasso’ para um relato em que tal palavra não foi usada. Pode-se também observar, que quando se trata de notícia a interessar determinados segmentos, eles lêem a notícia com lupa, verificando cada palavra, cada linha, cada entrelinha. O que é bom.’