‘Na edição de terça-feira, O Povo divulgou a morte do jornalista, professor e economista Geraldo Nobre. Aos 80 anos, um dos mais importantes historiadores do Ceará, havia morrido no domingo anterior, depois de passar dois meses hospitalizado. No comentário interno à Redação do jornal, observei que a opção por uma capa ‘revistizada’ para a edição daquele dia não justificava o fato de a notícia não ter merecido ao menos uma chamada (resumo) na primeira página. Se fosse a morte de um ator de terceiro escalão da Globo, ele teria tido, possivelmente, tratamento melhor. O pior era o texto burocrático na página interna, que não fazia jus à importância intelectual de Geraldo Nobre. Alinhavaram-se truísmos como: ‘Ele era uma pessoa muito reservada’, ‘ele tinha orgulho de ser cumpridor de seus deveres’, mas não se lembrou uma única obra de sua lavra – e ele escreveu muita coisa, em vários campos do conhecimento – e pouco se falou de sua contribuição à historiografia do Ceará.
Para Adelaide Gonçalves, historiadora e professora do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), a obra de Geraldo Nobre é a continuidade dos estudos do Barão de Studart. Para se ter a noção da importância que Adelaide atribuiu à contribuição de Nobre, basta lembrar ser a obra do barão Guilherme Studart consulta obrigatória para quem se dispõe a estudar o Nordeste e mais especificamente o Ceará.
Pedi à professora para listar alguns livros de Geraldo Nobre. Desculpando-se por não poder fazer uma pesquisa cuidadosa, ‘em um dia cheio, em fim de semestre’, ela registrou cerca de quarenta estudos, entre elas pelo menos 35 livros, anotação que me enviou sob o título ‘Temas abordados na larga produção historiográfica de Geraldo Nobre, distribuídos em livros e artigos’. Entre eles, Introdução à História do Jornalismo no Ceará e O Processo Histórico de Industrialização no Ceará. Ele também escreveu sobre a história eclesiástica do Ceará, cultura, política, economia, formação de cidades no Ceará colônia, entre outros temas, revelando que um espírito irrequieto habitava a alma daquele homem ‘modesto e discreto’, como diz Adelaide. A professora lembra ter recebido a ‘generosa orientação’ do católico Geraldo Nobre quando fazia a sua pesquisa sobre a atuação dos anarquistas no Ceará.
COMO JORNALISTA, editor e redator, ele trabalhou em vários jornais de Fortaleza: O Nordeste, Correio do Ceará e Unitário (todos extintos). Foi redator de A Fortaleza, que circulou por várias décadas com um ‘projeto editorial arrojado em termos político-pedagógico da Igreja Católica’, sendo o porta-voz dos Círculos Operários no Ceará. Adelaide diz ter sido esse, possivelmente, o empreendimento ‘mais significativo e duradouro do gênero no Brasil’, transformando-se em um ‘documento fundamental para o estudo da história social do mundo do trabalho e de sua relação com a Igreja Católica’.
Geraldo Nobre também foi presidente do Instituto Histórico do Ceará, uma entidade com 118 anos de existência, tendo feito trabalho de ‘imensa valia’ à frente da ‘Revista do Instituto do Ceará’, como editor. ‘Lembre aos leitores do jornal que a revista é considerada das melhores do gênero, em língua portuguesa’, pede Adelaide.
Para a professora, não foi apenas O Povo a deixar de dar a importância devida a Geraldo Nobre. Ela lembra que a comemoração recente do aniversário de 80 anos da Associação Cearense de Imprensa (ACI), incluiu a homenagem a várias pessoas, mas o historiador ficou fora. ‘Eles se esqueceram que Geraldo Nobre escreveu os livros A História da ACI e As Sete Vidas de Gilberto Câmara, sobre um dos fundadores da entidade’, queixa-se Adelaide.
Na edição de 5 de maio, uma falha do mesmo tipo havia ocorrido com a morte de Alberto Galeno, o ‘guardião da Casa de Juvenal Galeno’, como registrou a notícia publicada na página 14. Na ocasião, observei que faltara ‘sensibilidade jornalística’ pelo fato de O Povo não ter feito uma chamada de primeira página para a morte do escritor. Não se informou com profundidade quem era Alberto Galeno – não havia citação de nenhuma obra dele – como também não havia informação sobre Juvenal Galeno, escritor, poeta, folclorista pioneiro, e avô de Alberto, que veio a se transformar no ‘guardião’ e continuador da tradição literária e cultural da família Galeno.
Ao ter conduzido a coluna dessa maneira, espero que os leitores não pensem ter me desviado de seu propósito. Um dos meus objetivos ao apresentar esses rascunhos semanais – que isso não soe pretensioso – é mostrar que os jornais não podem se conformar com o descartável, com o superficial, com a ligeireza, sem distinguir o essencial do secundário. Eu creio que o jornalismo pode ser educativo sem ser chato, agir como indutor do conhecimento, ter um papel civilizador. Portanto, tem a obrigação de lançar luz, mesmo que na morte, sobre figuras importantes nesse campo, para ilustrar novas gerações e sacudir a memória das mais antigas. Se apenas um leitor, um estudante, ficar interessado pelo assunto, dando continuidade a essa estirpe de pessoas preocupadas com a memória, com a história e, por conseguinte, com os seus e com a humanidade, o jornal terá a certeza de ter cumprido o seu papel social; mas nem assim o jornalista poderá dormir tranqüilo, pois a cada edição, segue-se outra e mais outra e ainda outra.
Ouvidores
Na sexta-feira, a convite da Ouvidoria Geral da União, participei do 2º Encontro Regional de Ouvidorias Públicas da Região Nordeste, realizado em Fortaleza. Falei sobre o tema ‘A influência que os meios de comunicação exercem no cidadão’. O evento – preparatório para o 1º fórum Internacional de Ouvidorias Públicas, a ser realizado em 2006 – teve a participação de cerca de 500 pessoas, e foi aberto pela ouvidora-geral da União, Eliana Pinto.’