‘Dois fatos acontecidos esta semana mostram como os meios de comunicação podem ficar a reboque dos acontecimentos.
O primeiro, entra na rubrica ‘O Brasil não conhece o Brasil’. O assassinato da freira Doroth Stang, no Pará, lembra outro crime, cujo personagem só ficou conhecido no Brasil depois de morto: Chico Mendes – assassinado em 1988 pelo mesmo tipo de gente que matou a irmã Doroth. No país, ninguém sabia quem era aquele seringueiro, apesar de, há muito, ser alvo de fazendeiros, grileiros, madeireiros interessados na devastação da floresta amazônica. Somente depois de a morte dele ter ganhado repercussão mundial, os jornais do Brasil começaram a mandar repórteres para o Acre.
Com a morte de Doroth Stang, alguns meios de comunicação passaram a culpabilizar o governo federal pela violência que continua a grassar na região, no que não deixam de ter razão. Mas a imprensa deveria também fazer a sua confissão de culpa. Para os jornais do Sul e Sudeste, o Brasil que lhes interessa concentra-se em Brasília e nos estado que ficam de Minas Gerais para baixo; o resto, só ganha as manchetes devido a alguma desgraça – e grande.
O outro assunto foi o resultado da eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados. Lia-se e ouvia-se apenas sobre a disputa entre Luiz Eduardo Grenhalgh e Virgílio Guimarães (ambos do PT), mas quem acabou vencendo foi Severino Cavalcante (PP), sem que nenhum jornal previsse a arrancada do deputado pernambucano.
É óbvio, não se pede ‘jornalismo de adivinhação’, mas de prospecção. (É isso que pode dar a vantagem aos meios impressos sobre a televisão e a internet; estes, por sua natureza, se apegam prioritariamente à questão factual.) Aquele batalhão de repórteres e ‘analistas políticos’ circulando por Brasília, em gabinetes, almoços e jantares com políticos, não conseguiu captar sinais de que o ‘rei do baixo clero’ preparava-se para dar um cangapé nos gigantes em disputa. Mais uma vez, a responsabilidade maior recai sobre os jornalões do ‘Sul’. Somente eles podem manter grandes escritórios em Brasília, inúteis, pelo visto, quando mais se precisa deles.
Liquidações
A eleição para a presidência da Câmara dos Deputados terminou na manhã da terça-feira, por isso, os jornais não conseguiram dar o resultado na edição do dia. Os meios impressos só informaram que o novo presidente da Câmara dos Deputados era Severino Cavalcante na edição do dia seguinte – e a manchete dos principais jornais do país foi essa, com destaque para a derrota do governo Lula.
Pois na quarta-feira, quando o assunto ainda fervia, O Povo optou pela manchete anódina ‘Começa temporada de liquidação nos shoppings’, dando a eleição na Câmara em chamada de uma coluna na segunda dobra da primeira página (a parte menos nobre da capa), sob o título: ‘Câmara – Governo enfrenta maior derrota’.
Observei que a eleição de Severino Cavalcante traria grandes conseqüências ao governo e ao país, portanto, para a vida das pessoas. A resposta do diretor de Redação, Carlos Ely, foi a seguinte: ‘A eleição já havia sido amplamente discutida nas emissoras de TV e na internet – e não havia nova abordagem a oferecer ao leitor. Colocar o assunto na manchete seria ‘dar mais do mesmo’.
Continua: ‘Acho que a escolha da manchete (sobre a liquidação nos shoppings) foi acertada. Oferecemos ao leitor uma matéria de serviços, que interessa ao nosso público’. Mas ele diz que o tema deveria ter tido mais destaque na primeira página.
Na verdade, o assunto não estava e nem está esgotado. Depois, havia uma declaração forte do sempre discreto governador Lúcio Alcântara, chamando a eleição na Câmara de ‘bagunça’, criticando firmemente seu próprio partido, o PSDB. Isso trazia o assunto para mais perto ainda do leitor cearense. Estavam satisfeitas todas as condições para o assunto ganhar a manchete do O Povo. Creio ter faltado sensibilidade jornalística.
Um assunto puxa outro
Além do comentado acima, vi mais problemas na notícia sobre as liquidações, a começar pelo título na pág. 18: ‘Queima de estoques nos shoppings’. Além do lugar-comum ‘queima de estoques’, o título tinha aparência de propaganda das lojas. Para a editora-chefe, Fátima Sudário, é normal os jornais noticiarem liquidações, ‘assunto de interesse de muitos leitores’.
Nesta mesma edição de quarta-feira, outro título do Núcleo de Negócios (inclui as editorias de Economia, Turismo e Veículos) chamou atenção: ‘Ceará não se entrega e continua na luta’ (pág. 20, a respeito da disputa entre Ceará e Pernambuco por uma refinaria da Petrobras). Eu já fizera a sugestão de se verificar se há favorecimento ao estado de Pernambuco, em detrimento do Ceará, nas políticas do governo federal, como vêm alertando, principalmente as colunas Política e Vertical S/A. Mas isso precisa ser pesado e quantificado, tem de ser uma reportagem objetiva, com dados e números. Fora isso, é não saber distinguir fato de opinião.
Mas não ficou só nisso, na mesma edição ainda havia um título digno de um jogo de charadas: ‘Cada um com seu cada qual’ (pág. 22, a respeito de carros). Este dispensa comentários, pois não diz coisa com coisa.
Títulos
A editora-chefe, Fátima Sudário, afirma: ‘A direção da Redação não vê nenhum problema com os títulos do Núcleo de Negócios e até estimula editores a adotarem uma certa leveza. O que pode causar certo estranhamento é `Cada um com seu cada qual´. Porém, em se tratando da editoria Veículos, há a liberdade no uso da informalidade. O título não compromete a informação e é uma expressão coloquial em nosso Estado. Gostaria, no entanto, de dizer que o seu alerta para a conveniência de certos títulos é importante pra nós, e nos deixa atentos para evitar qualquer excesso’.
Já fiz comentários criticando manchetes, supostamente ‘leves’ ou ‘espirituosas’. Ter conseguido a atenção da Redação para evitar ‘excessos’, já considero algo positivo.’