Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Esta semana recebi de um leitor, professor universitário, cópia de uma carta escrita pela filósofa Marilena Chaui. Agora circulando na internet, a mensagem foi dirigida originalmente aos seus alunos da Universidade de São Paulo (USP), explicando por que ela deixou de falar com a imprensa. No texto, a professora faz severas críticas à cobertura que os meios de comunicação vêm fazendo da crise que se abateu sobre o PT e o governo Lula. Marilena é filiada ao PT desde os anos 1980, tornando-se um de seus principais teóricos. Ela foi secretária da Cultura de São Paulo na gestão petista de Luiza Erundina (1989-1992).

Para que se perceba a agudeza dos argumentos da professora, reproduzo o seguinte trecho: ‘Assim, na presente circunstância brasileira, a impressão geral deixada pela mídia é da mescla de espetáculo e terror, tornando mais difícil do que já era manifestar idéias e opiniões nela e por meio dela’. Não vou recortar outros excertos – o texto é longo e complexo –, pois correria o risco de descontextualizá-los. A íntegra está neste endereço: http://www.noolhar.com/opovo/ombudsman/518196.html

O leitor que me enviou a carta já me escrevera antes, sempre criticando a cobertura da imprensa, inclusive do O Povo, à crise política. Apesar de várias vezes já ter falado sobre o polêmico tema, alguns leitores insistem em dizer que ombudsman não vem dando a devida atenção ao assunto. Tenho respondido que eles podem discordar dos meus argumentos (de maneira geral acho adequada a abordagem da imprensa), ou ainda me acharem incompetente para tratar do caso, mas escrever sobre o tema eu escrevo. Já abordei o assunto em pelo menos três colunas: ‘Olhando de lado’, ‘O fato e a notícia’ e ‘Efeitos colaterais’, que podem ser conferidas em http://www.noolhar.com/opovo/ombudsman. Ainda há outro fato a se considerar: em se tratando de notícias nacionais e internacionais, a imprensa regional tem de se valer quase que exclusivamente das agências de notícias, dificultando-lhe um olhar próprio.

Intelectuais e jornalistas

Sobre o que escreve a professora, concordo com algumas coisas e discordo de outras, mas não tenho a pretensão de discutir o mérito de seus argumentos, mesmo porque, apesar de a carta ter-se tornado pública, o objetivo dela foi conversar com seus alunos. O debate que pretendo iniciar é sobre o ‘mal-estar’ existente entre a imprensa e a academia; os conflitos e tensões a perpassarem esse relacionamento.

A academia quer a imprensa à sua imagem e semelhança, inclusive com seus ritmos, o que é impossível. As universidades são lugares de reflexão, dos longos debates, do tempo medido em semanas e anos. Uma redação tem de pôr um jornal na rua a cada 24 horas. A imprensa quer especialistas sempre à disposição, para respostas específicas e rápidas, como se as universidades fossem uma espécie ‘fast food’ do pensamento, o que é um equívoco. Os intelectuais querem uma imprensa ‘perfeita’, sem erros – e isso não é dado a nenhuma obra tocada por humanos, infeliz ou felizmente. A universidade quer a imprensa siga suas tendências, subjugue-se aos seus pensadores prediletos e aos seus partidos preferidos – isso é arrogância. Os jornalistas querem intelectuais prontos a confirmarem suas teses do momento, a fechar os olhos às suas incoerências – isso é prepotência. A academia acha que, por ser a imprensa ‘capitalista’, ela está sempre a serviço de interesses privados, que os jornalistas seriam meros serviçais, prontos a acatarem qualquer ordem. Os profissionais atuantes sabem ser essa visão simplificante e desqualificadora. Qualquer jornalista que já tenha pisado em uma redação sabe ser esse um lugar de disputa e negociação, das quais o interesse público não fica de fora.

De resto, todos nós, inclusive a academia, estamos submetidos à sociedade capitalista e temos de lidar com suas contradições. A imprensa e a universidade são instituições absolutamente necessárias e indispensáveis à democracia e ao desenvolvimento humano. Os jornalistas precisam compreender melhor a academia, aprender que os intelectuais são mais do que uma legião de sonhadores com dificuldades em sujar as mãos com as tintas da realidade; os intelectuais têm de reconhecer que há algo mais além do solo sagrado onde se produz o conhecimento, têm de sair à luz do sol. Portanto, mesmo sob o perigo de levar um puxão de orelhas, vou me atrever a repetir uma frase do filósofo Baruch de Espinosa, caro a Marilena Chaui: ‘Frente ao conhecimento, nem rir nem chorar, compreender’. E eu me arriscaria a concluir: e a agir – sem que isso autorize a jogar a criança junto com a água do banho.

Verdade e objetividade

Gostaria ainda de comentar o seguinte. Intelectuais também costumam negar a possibilidade da objetividade jornalística, reclamam que as notícias são apresentadas como opinião. Acho que eles estão errados e certos. Errados quando dizem que a objetividade está fora do terreno das possibilidades. A busca pela objetividade deve ser a arena de uma luta incansável. Para o jornalista, a objetividade tem de ter a mesma importância que a verdade para o filósofo: não é porque nenhum deles ainda a encontrou que devem deixar de buscá-la. Não se exige do filósofo que encontre a verdade, mas que a procure. Somente dessa maneira ele afiará os seus instrumentos intelectuais. Para o jornalista, a objetividade tem de estar no mesmo nível. Certos estão os intelectuais quando dizem que há notícias apresentadas como opinião, dificultando ao leitor o entendimento do assunto e de suas nuanças. Mas ressalve-se: isso não acontece todo tempo em todas as ocasiões e nem sempre propositalmente. Além disso, é preciso destacar: o leitor sabe se defender. Ele não é um ser indefeso, pronto a engolir qualquer xarope que se lhe queira empurrar.’