‘Por vias transversas (dizem mesmo que Deus escreve certo por linhas tortas), a greve de fome do frei Luís Cappio, bispo de Barra (BA), teve pelo menos um efeito positivo: fez intensificar o debate a respeito da transposição das águas do rio São Francisco. (O Ministério da Integração Nacional prefere chamar de ‘projeto de integração da bacia do rio São Francisco com as bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional’, isto é, a parte norte do Nordeste.) O frade, como se sabe, manteve um jejum de 11 dias para manifestar sua contrariedade ao projeto do governo federal, dizendo que iria ‘até a morte’ se os planos da transposição não fossem suspensos. Sem que o governo suspendesse a obra, felizmente o intento do bispo terminou antes de um possível desfecho trágico, com a vantagem de ter despertado os meios de comunicação para a cobertura do assunto que, até aquele momento – apesar da grandiosidade da obra –, parecia galvanizar poucas atenções fora do círculo de especialistas.
Se é verdade que o gesto extremo do bispo despertou a atenção da imprensa, a cobertura da greve de fome e de seu fato gerador pecou por um tom emocional, na qual se destacava a romaria de fiéis e políticos para ver o frade, as críticas e os elogios exacerbados a ele dirigidos – não faltando nem a tentação de compará-lo a Padre Cícero ou a Frei Damião. Mas, em um assunto em que os aspectos técnicos envolvidos são muitos e bastante complexos, o que menos interessa é uma cobertura de tom emocionalista. É preciso separar as mistificações políticas, os interesses de ocasião e o achismo, em favor de uma cobertura aclaradora dos aspectos técnicos e humanos envolvidos no projeto, para que os leitores tenham dados para formar seu próprio juízo.
A questão é delicada para os estados nordestinos. Eles normalmente agem em conjunto quando se trata de defender interesses regionais, mas dividiram-se quanto ao projeto. De um lado estão os chamados estados receptores das águas, beneficiados pela integração das bacias: Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco – este será ao mesmo tempo doador e receptor. Do outro lado, contra o projeto, estão os estados por onde o rio corre naturalmente, chamados de doadores: Sergipe, Bahia e Alagoas. Para a imprensa nordestina, principalmente para os jornais dos estados doadores e receptores das águas, a responsabilidade é redobrada, pois suas populações serão alcançadas diretamente pelo impacto da obra.
Pela importância que o projeto tem para o Ceará, avalio que O Povo ainda não pôs o assunto no nível que ele merece. O jornal vem se limitando a dar repercussão às declarações de políticos, à publicação de artigos e enquetes na editoria de Opinião, mas não se debruçou sobre o tema de modo a oferecer aos leitores reportagens mais completas sobre o projeto. Como O Povo já se manifestou, em editorial, favoravelmente à transposição, acho que o tema deveria merecer uma campanha do jornal. Entenda-se: campanha significa promover a causa na qual o jornal acredita ser de interesse público, sem que isso signifique qualquer distorção em seu noticiário. A campanha deve exprimir-se em uma cobertura intensiva, extensiva e detalhada, de forma a possibilitar ao leitor a compreensão do que significa e do que pode vir a significar obra de tal envergadura para as pessoas e os estados envolvidos (inclusive para os doadores das águas) – e para o país. Obviamente, isso pressupõe a divulgação de fatos e opiniões contrárias à visão institucional do jornal, pois somente dessa maneira o leitor poderá formar o seu juízo. (O projeto da transposição pode ser visto na página do Ministério da Integração Nacional: (http://www.integracao.gov.br/saofrancisco).
Pequenos jóqueis
Às vezes, boas pautas podem se perder em textos burocráticos, ou em abordagem equivocada, como no caso de ‘GP da improvisação’, publicado na editoria de Esportes, com destaque na capa da edição de 8/10. A notícia informava sobre a existência de uma pista de corrida de cavalos, improvisada em um terreno de mangue, nas proximidades de praias da cidade de Caucaia (cuja prefeitura teria autorizado a construção da pista). Os ‘jóqueis’ são garotos de não mais de 12 anos de idade (segundo parece pelas fotos, pois o texto não traz essa informação). De acordo com a matéria, uma pequena multidão se reúne nas tardes de domingo para acompanhar – e apostar – a disputa. A reportagem, escrita como se o fato fosse a coisa mais natural do mundo, ouviu o animado dono do negócio, ‘impressionado’ com o rápido sucesso de seu empreendimento. Informa-se também que os meninos montam sem ‘nenhum equipamento de segurança’ (pela foto, vê-se que estão apenas de calção, montando o animal em pêlo). No comentário interno fiz as seguintes perguntas: Por que não se questionou a legalidade de tal empreendimento? Quais os critérios utilizados pela prefeitura de Caucaia para autorizar a construção da pista? O que o organizador das corridas ganha com isso? É legal crianças trabalharem como jóqueis? Se houver acidente, como os meninos serão socorridos? Escrevi ainda que era obrigatório ter-se entrevistado esses meninos-jóqueis: eles montam por ‘diversão’ ou por necessidade? O diretor de Redação, Carlos Ely, disse que o jornal deverá retomar o assunto.
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