Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Concluo os textos aqui publicados na sexta-feira, sem ver a edição de sábado. Pretendia, por isso, dar continuidade aos comentários que iniciara na semana passada a respeito da coluna ‘Sem Vergonha’, editada no caderno Buchicho. Faria isso por dois motivos centrais: por achar a coluna da edição de sábado passado a mais grosseira das até então publicadas e pelas manifestações recebidas sobre o assunto no decorrer da semana. Como se lembram os leitores com paciência de acompanhar meus escritos, considerei a linguagem escolhida pela coluna para tratar da sexualidade masculina e feminina inadequada ao jornal.

No entanto, dou continuidade ao assunto por um motivo completamente diferente do móvel inicial: a chefia da Redação resolveu suspender a coluna; na edição de ontem do Buchicho ‘Sem Vergonha’ já não foi publicada. Na segunda-feira (31/10) havia dirigido à chefia a seguinte pergunta: ‘Qual é a opinião da direção da Redação a respeito do assunto abordado na coluna do ombudsman de 30/10, com o título ‘Falando sobre sexo’?’ Na sexta-feira (4/11) recebi uma resposta lacônica: ‘A diretoria da Redação analisou o assunto e decidiu suspender a publicação da coluna ‘Sem Vergonha’ ‘.

Como aconteceu entre os leitores, dos quais divulgarei algumas opiniões, o assunto também mobilizou os jornalistas do O Povo. Basicamente, duas correntes se formaram: uma entendendo ser a coluna ‘inadequada’ para ser publicada no jornal e outra achando ‘hipócritas’ os argumentos daqueles a criticá-la. (Optei por não identificar jornalistas ou leitores que me escreveram ou com os quais falei para evitar particularizar o debate.)

Jornalistas

‘É lamentável o fim da coluna. Não a achava vulgar, nem de baixo nível. Acho que o jornal perde ao deixar de publicá-la’, me disse um jornalista. ‘Não cabe uma coluna desse tipo no O Povo. A forma como os temas são tratados é típica das publicações ‘para adultos’, por isso, impróprias em um jornal com leitores de faixa etária muito heterogênea’, diz outro.

‘Acho que esse recuo (a suspensão de ‘Sem Vergonha’) reflete uma onda conservadora; o próximo alvo deverá ser a coluna ‘Cena G’ (também publicada no Buchicho, tratando de temas ligados à homossexualidade), isso é preocupante’. Para reforçar o argumento, a jornalista exemplifica com a nota paga, publicada na edição de sexta-feira (pág. 7), na qual empresários e outros profissionais protestam contra a Rede Globo por anunciar um beijo entre dois personagens homossexuais, homens, no último capítulo da novela ‘América’. (Como se sabe, o ‘beijo gay’ acabou não acontecendo.) Para essa jornalista, a crítica à coluna é ‘falsa e moralista’, reveladora da ‘repressão sexual’: ‘Tem gente que não suporta ler sobre aquilo que faz parte de sua vida’, diz ela.

A contraposição a esses argumentos é o que diz outro jornalista: ‘Não se trata do conteúdo, é o tipo de abordagem que tem de ser adequada ao veículo. O jornal está disponível para crianças e adultos. Não há temas proibidos, mas há formas coerentes de abordá-los. Não se trata de impedir de falar de sexo, mas é possível tratar do tema com delicadeza, sem chocar o leitor. A coluna de sábado passado, por exemplo, foi muito desrespeitosa com as mulheres, isso é condenável’.

Leitoras

Uma leitora, ‘terapeuta há 33 anos’, escreve: ‘Fiquei chocada (ela fala especificamente sobre a edição de sábado passado, com o título ‘Um jantar matador’), pois trabalho no consultório com o objetivo de diminuir, se possível exterminar, o machismo. E leio um artigo anônimo com o mais cru e deslavado machismo nas páginas do jornal que meus pacientes costumam também ler: a mulher é chamada de ‘presa’ e o homem de ‘predador’. Depois ficamos falando mal dos estrangeiros que fazem turismo sexual no Nordeste, criando ONGs para defender as nossas meninas…’

Outra inicia assim o seu e-mail: ‘Não sou especialista, nem tampouco mãe de adolescentes’ – refere-se à correspondência que iniciou o debate sobre o assunto, de uma leitora que se identificou como ‘mãe de duas adolescentes’ – e continua: ‘Sou apenas uma leitora que se indigna com falsos moralismos e não consegue imaginar o porquê de tanto rebuliço em função da coluna ‘Sem Vergonha’ ‘.

De uma leitora que diz não ter o hábito de ler o caderno Buchicho: ‘Lendo o jornal de domingo, fiquei deveras espantada com o que (conforme o ombudsman) vem sendo escrito na coluna ‘Sem Vergonha’. A mim pareceram trechos de literatura pornô de baixo nível’.

Esclarecimentos

Quanto à coluna ‘Cena G’ (publicada às sextas-feiras no Buchicho) – comentada acima em uma das declarações –, abordando um assunto ainda tabu para muita gente, considero sua linguagem adequada ao jornal. Portanto, é preciso deixar claro: este ombudsman, os especialistas que opinaram na coluna anterior, jornalistas e leitores a concordarem com a análise que desenvolvi, não preconizamos o fim de ‘Sem Vergonha’, nem criticamos a divulgação pelo jornal de temas ligados à sexualidade. Discordamos do tipo de abordagem adotada, defendendo que cada meio de comunicação deve buscar uma linguagem correspondente ao público ao qual é dirigido.

A direção da Redação optou por suspender a publicação da coluna ‘Sem Vergonha’, com certeza depois de ter feito as discussões necessárias, pois assim são os procedimentos no O Povo. No entanto, a medida não veio acompanhada de mais explicações. Assim, fica difícil saber com clareza quais razões moveram a chefia a optar pela medida mais radical. Poder-se-ia somente fazer suposições a respeito dos motivos, desaconselhável em assunto provocador de tantas suscetibilidades. Só espero que todos estejam dispostos a manter o diálogo sobre o assunto, pois o debate abrange conceitos éticos, morais e também aspectos da liberdade de imprensa, questões deveras complexas e importantes.’