“Recentemente (edição de 27/8), escrevi uma Coluna a respeito da necessidade de o jornalista ser obsessivo com a verificação das notícias a serem publicadas. Conferir (ou ‘checar’, no jargão das redações) a veracidade das informações colhidas constitui a essência do jornalismo, lembrei, escudado em depoimento de jornalistas experientes e de estudiosos do assunto – lição que a prática se encarrega de ensinar aos que mourejam no ofício.
Menos de uma semana após, na edição de 2 de setembro (sábado), a capa do jornal traz o seguinte destaque no alto da página: ‘AMC: Liminar só vale para lombada eletrônica’, com a seguinte explicação: ‘Ao contrário do que foi publicado na edição de ontem do O Povo, a decisão da Justiça não se aplica aos fotossensores, cujas multas continuam valendo.’ Era um ‘Erramos’ na Primeira Página, corrigindo informação divulgada no dia anterior, em manchete de capa, anunciando ‘Liminar suspende fotossensores e invalida multas’. O que havia acontecido? Na edição de 1º/9, o jornal divulgava que liminar judicial proibira o município de Fortaleza de ‘operar os equipamentos de fiscalização eletrônica’ e, com isso, as multas aplicadas pela Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e Cidadania (AMC) perderiam a validade. Além disso, segundo o texto, os fotossensores deixariam de funcionar na cidade. As informações eram atribuídas ao procurador da República Oscar Costa Filho.
Portanto, na edição de 2/9, o jornal corrigia informação do dia anterior, com matéria na página 4, explicando ter a liminar judicial suspendido apenas o contrato de um serviço que ainda nem fora instalado, as chamadas ‘lombadas eletrônicas’, que visam a coibir o excesso de velocidade. Ou seja, os fotossensores já instalados nos semáforos da cidade estão fora da ação judicial, permanecem funcionando e as infrações por eles detectadas continuam gerando multa aos transgressores. O jornal reconhece o equívoco, penitencia-se perante o leitor ‘por qualquer transtorno ocorrido’, mas diz ter sido ‘induzido ao erro’ pela ‘informação repassada pelo procurador da República Oscar Costa Filho’.
O assunto ainda não tinha acabado. Na edição de 5/9, sob o título Procurador esclarece (pág. 9), é publicada uma longa carta do procurador da República Oscar Costa Filho, na qual ele se exime de qualquer responsabilidade pelas informações erradas divulgadas pelo jornal. A editoria Fortaleza, responsável pela cobertura do assunto, não contradita a assertiva do procurador, o que me levou a questioná-la se isso indicaria concordância com o conteúdo da correspondência. A resposta que obtive da editora Tânia Alves foi a seguinte: ‘O Povo mantém o que foi publicado no dia 2/9 (ou seja, que o jornal foi ´induzido ao erro´), mas julgou pertinente que o procurador pudesse se pronunciar.’ Ao fim, do ponto de vista jornalístico, importa que a tarefa de verificar a veracidade das informações cabe única e exclusivamente ao jornal: essa responsabilidade não pode ser atribuída e nem dividida com ninguém.
Confuso
‘Como leitor do O Povo e da coluna do ombudsman, sinto-me na obrigação de colaborar com o jornal’, escreve-me um assinante. Ele refere-se ao artigo no qual falo da disciplina da verificação para queixar-se de uma matéria confusa, na qual a presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Ceará (CRF), Marize Girão dos Santos, é qualificada, equivocadamente, como presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos (Sincofarma). Como as duas entidades desenvolvem uma polêmica, o leitor teve dificuldades para entender a notícia Conselho de Farmácia rebate críticas, publicada na edição de 2/9 (pág. 26). ‘Pelo desenrolar da matéria fiquei confuso, pois era o advogado do Sincofarma (reclamando de supostos exageros na aplicação de multas às farmácias pelo CRF), brigando com a própria presidente da entidade para qual ele trabalha. Depois de reler o texto, compreendi que o jornal havia errado ao qualificar a sra. Marize Girão, deixando a matéria confusa.’ De novo, a falta de verificação leva constrangimento aos envolvidos na notícia, e dificuldades para o leitor entender o seu conteúdo.
Opção
Sob o título Por que a reeleição de Lula, o jornalista Mino Carta, editor da CartaCapital, assina editorial da revista no qual defende a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Veja trechos do argumento:
‘Há quatro anos CartaCapital fez sua opção, declarou explicitamente preferência pela candidatura Lula no confronto com José Serra. Agora volta a escolher o presidente no embate contra Geraldo Alckmin. Em 2002, não faltou quem condenasse nosso comportamento, por considerá-lo impróprio de um jornalismo isento e pluralista. Essas definições às vésperas de uma eleição são comuns, no entanto, nas melhores mídias do mundo. De resto, aqui mesmo, O Estado de S. Paulo apoiou abertamente a candidatura de Serra, ao contrário dos demais que alardeavam, e impávidos alardeiam, uma eqüidistância inexistente. Isto, em castiço, chama-se hipocrisia. Dependesse dos donos da mídia nativa, não sobraria pedra sobre pedra do governo que se encerra.
‘Esta revista não se furtou, nos últimos quatro anos, às críticas, às vezes contundentes, ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. (…) O governo Lula ficou longe daquele que teríamos desejado. Tem, entretanto, seu trunfo, a própria eleição de um ex-metalúrgico, retirante nordestino, para a Presidência da República, a despeito da ojeriza, quando não o ódio, que nutrem por ele graúdos de vários calibres, e aspirantes a graúdos. (…) Volta e meia, alguém aparece para nos acusar de ´lulistas´ e ´petistas´. Não somos nem uma coisa nem, muito menos, outra.’
Fazer opção, no espaço editorial, por uma candidatura presidencial é comum nos jornais americanos; menos comum na Europa. No Brasil, a prática ainda causa estranheza. Assim, é boa a polêmica levantada pela revista CartaCapital.”