‘Fico pensando se a perplexidade é só minha, ou os leitores têm a mesma impressão: vendo e ouvindo noticiários na televisão, na internet e no rádio, lendo os jornais, não consigo entender os motivos da crise que atinge o controle do espaço aéreo brasileiro, as companhias de aviação e os aeroportos. A única coisa que fica absolutamente transparente é que os vôos atrasam, os passageiros ficam furiosos e os aeroportos estão abarrotados. Fora isso, me assaltam as perguntas: o que se passa? Por que isso está acontecendo? Quem são os responsáveis?
No mês seguinte a setembro, depois que o choque com um jato particular derrubou um avião da Gol, matando as 154 pessoas a bordo, começaram os atrasos dos vôos. Uma das explicações é que os atrasos seriam provocados pelo protesto dos controladores de tráfego aéreo, revoltados com a sobrecarga de trabalho, pois esta tornaria os vôos inseguros. Desde então, com altos e baixos, o atropelo vem persistindo – devido à ‘operação padrão’ dos controladores do tráfego aéreo, segundo as informações divulgadas pelos noticiosos. Mas nunca ficou claro se havia relação entre uma coisa e outra, isto é, o acidente e o início dos problemas. Ou mesmo se havia um movimento organizado desses profissionais.
Mas eis que, nos últimos dias, os controladores de tráfego aéreo ficaram em segundo plano, ganhando destaque um novo culpado, até então, suponho, desconhecido da maioria dos brasileiros: o ‘overbooking’. Este passou a ser apontado como o responsável pelo atraso dos vôos e pelo descalabro nos aeroportos, que já duram três meses. Para deixar bem claro o significado da palavra, uma ajuda do dicionário Houaiss (eletrônico), que assim define overbooking: ‘Venda de bilhetes de passagem acima da disponibilidade de assentos (p.ex., aeronaves), para prevenir contra eventuais desistências ou ausências de passageiros à hora da viagem’. Como os controladores do tráfego aéreo são inacessíveis ao público e o novo culpado ficou mais perto, representado pelos funcionários das companhias aéreas, estes passaram a ser agredidos por alguns passageiros inconformados com o ‘overbooking’.
Além disso, o noticiário (rádio, jornal, TV) vem dando explicações equivocadas, como se a prática de overbooking constituísse, em si, uma ilegalidade, o que não procede. Não existe nenhuma lei, nenhuma regulamentação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que a proíba. A prática é utilizada por companhias aéreas de todo o mundo como forma de se defender da desistência do passageiro (também chamado de ‘no show’ no jargão do segmento) ou do costume – inclusive das agências de viagens – de fazer reservas em várias companhias, ocupando vagas artificialmente, de forma que o passageiro possa fazer a escolha tranqüilamente. Por seu lado, as empresas aéreas procuraram se proteger fazendo a sobre-reserva. Se a prática fica dentro de uma faixa razoável, não haverá problemas, equilibrando-se os dois pratos da balança. Se eventualmente algum passageiro é surpreendido pelo overbooking, resolve-se o problema embarcando-o no vôo seguinte para o seu destino – mesmo que em empresa diferente – podendo ainda receber outras compensações pelo transtorno, oferecidas pelas próprias companhias.
Essas questões, ninguém está explicando de modo claro ao distinto público. Uma prática regular foi criminalizada pela forma como foi abordada nos jornais. As notícias davam conta, primeiro, que o governo iria ‘investigar o overbooking’, depois que prática havia sido ‘comprovada’. Ora, nada disso seria necessário: nenhuma empresa nega a prática do overbooking. O que pode estar ocorrendo é exagero, excesso por parte das companhias na sobre-reserva, levando-as à perda do controle de um limite aceitável. Ou seja, o abuso – e não a prática em si – pode ser objetivo de investigação, pois leva transtorno a um número elevado de pessoas, além de prejudicar o tráfego aéreo – situação a exigir, portanto, intervenção da autoridade responsável. Mas não é isso que o noticiário vem expondo.
Mas, afinal, onde está o nó da crise aérea? Nas companhias que vendem mais passagens do que assentos que têm a oferecer? Na ‘operação padrão’ dos controladores do tráfego aéreo? Na incompetência dos responsáveis pela aviação civil brasileira? Todas as opções anteriores ou nenhuma delas? Quem quiser ter as respostas de forma organizada e convincente, não as terá via imprensa. O descontrole do espaço aéreo brasileiro e a crise nos aeroportos parece ter provocado, de quebra, uma pane nas redações.
JORNALISTAS
Como faz anualmente, o Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), organização com sede em Nova York, divulgou o número de profissionais mortos durante o trabalho no ano de 2006. Até 18 de dezembro, 55 jornalistas haviam morrido nessas circunstâncias, a maioria assassinada. Outros 27 casos continuam a ser investigadas para determinar se a morte teve relação com o exercício da profissão.
O Iraque foi o país mais letal para o exercício da profissão, com 32 mortes; sendo 28 assassinatos e quatro jornalistas que morreram em fogo cruzado ou atos de guerra. Para Joel Simon, diretor-executivo do CPJ, a forma como aconteceram as mortes no Iraque, ‘reflete a completa deterioração do tradicional status dos repórteres como observadores neutros em tempos de guerra’. Para ele, ‘a tendência é alarmante porque, além da terrível perda de vidas, está limitando a cobertura de notícias do Iraque e, ao mesmo tempo, nossa compreensão sobre um tema crucial’.
Ainda segundo o relatório do CPJ, Afeganistão e Filipinas ficaram em segundo lugar entre os países mais perigosos em 2006, com três mortes cada um. Dois jornalistas morreram no cumprimento de seu trabalho na Rússia, México, Paquistão e Colômbia, países tradicionalmente perigosos para a imprensa. Desde que o CPJ começou a fazer o registro, em 1992, este foi o segundo ano mais letal para os jornalistas, depois de 1993, quando houve 57 mortes no exercício da profissão.
PARA O NOVO ANO
Desejo aos leitores que o ano iniciante seja bom para todos, com a minha gratidão aos que tiveram a paciência de acompanhar esta coluna. Quero prestar homenagem especial aos leitores que me ajudaram a escrevê-la, com as sempre bem-vindas críticas e sugestões.’