Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Com destaque na capa edição de 28 de março, sob o título ‘Padre Cheregato pagava R$ 150 para tirar foto de rapazes’, O Povo dava continuidade à cobertura que vem fazendo do crime acontecido há mais de um ano na Base Aérea de Fortaleza. Em 11/9/2004 foi publicada a primeira matéria sobre o assunto: no dia anterior dois soldados Francisco Cleoman Fontenele Filho (20 anos de idade) e Robson Mendonça Filho (de 19 anos) foram encontrados mortos, a tiros de pistola (cada um levou um tiro na cabeça), dentro do quartel. No princípio, suspeitou-se de homicídio seguido de suicídio. Robson teria atirado em Cleoman, cometendo suicídio em seguida. O Inquérito Policial Militar sustentou essa versão, contestada com veemência pelas famílias dos dois jovens. A tese homicídio seguida de suicídio depois foi descartada pelo Ministério Público Militar, que passou a investigar o caso como duplo homicídio.

O Povo vem acompanhando o assunto intensivamente, tendo divulgado várias informações exclusivas no decorrer do processo. Neste ano, o caso já foi abordado em 14 edições diferentes. Estão destacados para a cobertura, desde o princípio, dois dos mais experientes repórteres do jornal: Demitri Túlio e Cláudio Ribeiro.

O religioso referido no início é o padre e capitão da Força Aérea Brasileira José Severino Cheregato, que era capelão da igreja de Nossa Senhora de Loreto, na Base Aérea de Fortaleza. Ele estava na função havia de 11 anos e era um dos mais destacados representantes do segmento carismático da Igreja Católica na cidade, atraindo multidões de fiéis para os cultos e para as ‘missas de cura’ que realizava. Em julho de 2005, seus superiores militares o transferiram para Manaus.

Mas como a história do padre se mistura com a investigação da morte dos dois soldados?

Em meados de fevereiro deste ano anotei em crítica interna que leitores telefonavam perguntando se era verdade que o padre Cheregato havia se suicidado, após a transferência para Manaus, e se isso teria relação com o ‘Crime da Base Aérea’. Os leitores perguntavam também por que O Povo não abordava esse aspecto do caso. Escrevi que o jornal deveria ser cuidadoso com boatos para não atingir pessoas inocentes, mas, de fato, os comentários eram generalizados na cidade, por isso, o assunto carecia de explicação.

Na edição de 17/2, o jornal publica a primeira matéria relacionando Cheregato com os acontecimentos, e o tema ganhou manchete na primeira página: ‘Crime na Base Aérea – Padre está surpreso com os boatos’. O padre Cheregato, em Manaus, entrevistado por telefone, disse estar bem de saúde e afirmava que a sua transferência deveu-se a questões burocráticas. Na mesma matéria, o jornal informa que o padre tinha prestado depoimento, em 21/11/2005, no processo que apura a morte dos soldados. Quando ele depôs, segundo a reportagem, ‘foram lidos vários trechos de outros depoimentos em que seu nome (do padre Severino Cheregato) era relacionado à morte dos soldados Francisco Cleoman Fontenele Filho e Robson Mendonça’.

As investigações que se seguiram, divulgadas pelo jornal, implicaram o padre em possíveis crimes, mas sem relação comprovada com a morte dos soldados. Em 21/3, o jornal saiu com a manchete: ‘Desvio de dinheiro e orgias na Base Aérea’, afirmando que o padre seria processado pela acusação de desvio de dinheiro da capela e por ‘praticar atos sexuais nas instalações da corporação’. Em 23/3, destacou-se na capa do jornal: ‘Livro contábil sumiu da igreja’, anotando que o padre teria usado dinheiro de doação de fiéis para ‘pagar rapazes que realizavam programas sexuais’. No dia 28/3 o jornal informa que ‘174 fotos, dentre elas 165 imagens de homens nus em poses de caráter erótico’ haviam sido apreendidas, sob ordem Judicial, na casa do padre, em Manaus.

Em entrevista ao O Povo (22/3), o promotor militar Alexandre Saraiva, levantava ‘uma dúvida importante’ a ser esclarecida em relação a Cheregato: onde ele estava no dia e na hora dos assassinatos? Mas o promotor fez questão de deixar bem claro que não existia, até aquele momento, nenhuma prova que ligasse o padre aos homicídios. (Conforme O Povo registrou, Cheregato deu três versões diferentes para tentar explicar onde estava na hora em que ocorreu a morte dos jovens.) Saraiva disse ainda que o padre confessara desvio de verbas da igreja (peculato); também se investigava se os supostos programas sexuais do padre teriam ocorrido em área sob administração militar, o que também configuraria crime.

A mais recente manifestação que recebi sobre o caso foi de um leitor dizendo-se ‘incomodado’ pela forma como o jornal divulgava a conduta sexual do padre. Para ele, as notícias expressavam ‘um certo moralismo, sobretudo os títulos das matérias’, indicando, segundo ele, o caráter homofóbico da cobertura. Segundo o leitor, o modo como um padre conduz sua vida pessoal é problema dele e da Igreja Católica.

Quanto aos títulos, o leitor tem certa razão. Alguns deles demonstram sensacionalismo ou têm afirmações que não condizem completamente com o texto da reportagem. (As manchetes não ficam sob a responsabilidade dos repórteres.) Entanto, no geral, o jornal faz uma cobertura equilibrada. Seria equivocado deixar de informar sobre aspectos paralelos ao caso, ou mesmo sobre outros crimes revelados no decorrer da investigação. As reportagens vêm se atendo aos aspectos já investigados do caso, noticiando aquilo que pode ser verificado em documentos oficiais.

Também acho que o leitor se equivoca ao supor que a vida pessoal de um padre pertença apenas à esfera individual; ele exerce uma função pública especialíssima e tem de prestar contas de seus atos. Um sacerdote não pode ser equiparado a uma pessoa comum no que diz respeito à conduta pessoal. Isso não quer dizer, obviamente, que possamos nos arrogar o direito de condená-lo moralmente ou mesmo de antecipar o julgamento da Justiça. Entanto, o jornal vem tomando os devidos cuidados, expondo detalhadamente todos os aspectos do caso, de modo a oferecer ao leitor um amplo painel dos acontecimentos.’