‘Pela amostra, neste segundo turno o fair play será deixado de lado. A virulência do primeiro debate levado ao ar pela TV Bandeirantes é uma amostra do que está por vir.
Os debates são bem-vindos, fazem bem à democracia e são fator de esclarecimento ao eleitorado, como todos concordam. Mas é preciso reconhecer que o modelo imposto pelo formato televisivo não concorre para os objetivos a que se propõem. É quase impossível aos candidatos fugirem das frases de efeito para dar conta, em dois minutos, de um tema complexo, tendo um ‘mediador’ mordendo-lhes os calcanhares para que o tempo seja observado nos seus milésimos de segundos. Isso porque as redes de TV não querem comprometer os seus preciosos intervalos comerciais, por isso, dividem o debate em cinco blocos para aumentar o faturamento, frustrando o aprofundamento de qualquer tema.
É preciso saber das emissoras se elas estão, de fato, interessadas em concorrer para o esclarecimento dos eleitores e em prestar um serviço à democracia ou querem, unicamente, faturar com o interesse que desperta o confronto de idéias entre os candidatos. Pode ser que um formato menos ‘televisivo’, com tempo maior para perguntas, respostas, réplicas e tréplicas – inclusive com a participação mais efetiva de jornalistas, que costumam fazer o papel de figurantes de luxo nos debates – desperte menos interesse, atraia menos telespectadores e, por conseqüência, menos anunciantes, mas, certamente, propiciará exposição mais aprofundada do pensamento de cada candidato, fornecendo elementos de análise para o eleitor interessado. E, ao fim, todos saem ganhando, pois a repercussão de um programa desse tipo tenderia a se espraiar, alcançando um número significativo de pessoas – igual ou maior do que aquele obtido por meio de debates ligeiros.
Se as emissoras de TV se entendessem na formação um pool para organizar um número menor de debates, evitando que caiam na banalização (risco presente) e na superficialidade (o que se desenha), poderíamos assistir à explanação mais contextualizada dos conceitos e propostas que animam cada candidatura; os temas poderiam se revelar na sua complexidade, da forma como se apresentarão ao candidato quando estiver no poder, independentemente de quem for o eleito. Agindo assim, as TVs teriam a oportunidade de se mostrar como aquilo que deveriam ser: concessões públicas com a obrigação de servir à sociedade.
Os ficcionistas
Quem se dá ao trabalho de acompanhar esses rascunhos, escritos com esforço, há de ter lido, por mais de uma vez, críticas a colunistas que se põem a escrever ficção em suas colunas supostamente jornalísticas. Por várias vezes toquei no assunto. Uma delas ao comentar uma coluna de Arnaldo Jabor em que ele simulava entrevistar um criminoso. O texto passou a circular na internet como se fosse uma entrevista real do colunista com Marcos Camacho, apontado como chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC), ou atribuída a um repórter da TV Globo. Como O Povo também publica a coluna, recebi manifestação de vários leitores perguntando se a entrevista era ‘verdadeira’, quando se tratava de mais uma das alegorias do cineasta/colunista.
Pois essa forma deletéria de fazer ‘jornalismo’ acabou provocando uma nova confusão, desta vez, felizmente, sem envolver este jornal. Na revista Brasília em Dia, o jornalista Carlos Chagas publicou um texto sob o título ‘A Sociedade dos Amigos de Plutão’, revelando a suposta criação de uma organização não-governamental (ONG) que teria o objetivo protestar contra a retirada do status de planeta de Plutão. Segundo o texto, o presidente da entidade seria ‘um ex-líder sindical, filiado à CUT e ao PT, amigo íntimo do presidente Lula’ e, além disso, o Diário Oficial teria publicado ‘a liberação de 7,5 milhões de reais para estimular as primeiras ações da nova ONG, que também celebrará convênios de publicidade com a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e os Correios’. A descrição de como funcionaria a ONG segue na mesma toada: ‘Programou-se, é claro, retiradas de 20 mil reais semanais para cada um dos 800 diretores da nova ONG, que também receberão cartões de crédito institucionais para enfrentar despesas pessoais de hospedagem, alimentação, vestuário e transportes’. O colunista não alertou que se tratava de uma brincadeira (de mau gosto). A nota estava displicentemente entre outras, aparentemente ‘sérias’. A crônica foi parar na Internet, como verdadeira, com comentários desairosos contra mais esse ‘desperdício’ do governo. O senador Heráclito Fortes (PFL-PI) também acreditou no passa-moleque e foi à tribuna protestar contra o governo Lula por patrocinar tamanho absurdo.
Se de um jornalista sempre se exigiu cuidado com o que escreve, esse princípio tem de ser observado com muito mais rigor com a existência da Internet: qualquer erro ou ‘brincadeira’ tem o pode de multiplicar-se infinitamente. Se vivêssemos ainda na era de Gutenberg, a crônica de Carlos Chagas terminaria soterrada na hemeroteca de algum museu. Na era digital, ficará está disponível ao toque dos dedos. Daqui 10, 20 ou 50 anos um leitor poderá teclar ‘Plutão’ ou ‘Lula’ nos portais de busca e encontrar a ficção, assinada por um jornalista, o que lhe dará ares de credibilidade. Isto é, se os jornalistas não a tiverem perdido de vez, o que é bem possível, caso continuem a competir com os ficcionistas.
Seminário
Amanhã e na terça-feira não farei atendimento, pelo que peço a compreensão dos leitores. Nesses dias, participo do seminário Mídia e Violência, organizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, no Rio. Haverá quatro mesas: ‘Fogo cruzado: a segurança do profissional de imprensa’, ‘Repórteres e fontes: a origem da notícia’, ‘Perspectivas para um futuro próximo’ e ‘Decisões editoriais: os princípios da cobertura da violência e criminalidade’, da qual participo como debatedor, junto com Luiz Antonio Novaes (editor executivo de O Globo), Henrique Freitas (editor executivo de O Dia), Augusto Nunes (diretor de jornalismo do Jornal do Brasil), tendo como mediador Marcelo Beraba (ombudsman da Folha de S.Paulo).’