‘Era bastante previsível um segundo turno radicalizado entre os dois disputantes à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB). Também estava dentro dos cálculos a maior dificuldade por parte da imprensa em manter o equilíbrio da cobertura, pois a caldeira fervente faria a pressão aumentar – por todos os lados. Se isenção, objetividade, independência e compromisso com a verdade são questões sempre sensíveis para a mídia, nos períodos delicados esses valores essenciais ao jornalismo são postos à prova com mais vigor. Que os leitores ficariam mais atentos e suscetíveis a todos os detalhes sobre o que se escrevesse ou fotografasse, também era esperável – o que se revela no aumento das críticas dirigidas ao ombudsman, transitando pela rede de computadores e pelas redações. Internet, rádio, TV e jornais passaram a ser esquadrinhados pelos leitores, ouvintes e telespectadores – até uma vírgula torna-se motivo de desforço.
Mas seria injusto julgar toda a imprensa pela forçada de mão a que se entregaram duas importantes revistas semanais, a Veja e CartaCapital. A primeira, desde há muito, resolveu eleger o presidente Lula como uma espécie de inimigo preferencial – e vem produzindo matérias ao arrepio do método jornalístico, portanto, carentes de credibilidade. Foi o caso dos supostos dólares de Cuba (edição de 2/1/2005), um rocambolesco thriller no qual o dinheiro teria sido transportado em caixas de bebida, para a campanha do PT de 2002, suposição nunca comprovada – a própria revista esqueceu o assunto. Mais recentemente, Veja foi proibida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de divulgar outdoors da capa da edição de 11/10/2006 com uma foto do rosto de Alckmin com o título em letras maiúsculas ‘O desafiante’.
A CartaCapital também aplicou uma dose de exagero na edição de 18/10 incluindo a Rede Globo em uma suposta ‘Trama que levou ao segundo turno’ (http://www.cartacapital.com.br/index.php?funcao=exibirMateria&id_materia=5457), no episódio da divulgação das fotos do dinheiro que seria usado por pessoas ligadas ao PT para a compra do dossiê que conteria informações prejudiciais ao governador eleito de São Paulo, José Serra, e a Geraldo Alckmin. (Que o vazamento das fotos pelo delegado da Polícia Federal Edmilson Pereira Bruno prejudicou o PT, não há dúvida, que tivesse havido a participação da Rede Globo na ‘trama’, a matéria da CartaCapital não prova.)
Como comentei na semana passada, ao divulgar as fotos, os meios de comunicação agiram em acordo com os preceitos jornalísticos; o mesmo não pode ser dito por terem deixado de explicar em que circunstância as fotos foram obtidas. Ouvindo a fita da conversa entre o delegado e quatro repórteres (http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,AA1317305-5601-1860,00.html), a convicção fica mais forte. O delegado chamou uma minicoletiva de imprensa e ainda cobrava a presença de mais repórteres – o segredo seria impossível em uma situação dessas. Ainda orientou os jornalistas a informarem que o CD com as fotos havia sido roubado de sua sala, com o que alguns jornais compactuaram. Preservar a fonte é diferente de mentir ou deixar de contextualizar a notícia quando era imperativo fazê-lo.
Depois da publicação da matéria da CartaCapital, o diretor-executivo de Jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, publicou resposta no portal do Observatório da Imprensa, gerando dura tréplica da revista.
É preciso esclarecer que, em editorial, a CartaCapital declarou abertamente o seu apoio a Lula. A revista Veja nada anunciou sobre sua preferência, sugerindo neutralidade em relação aos candidatos. Qual das duas age corretamente? Se distorcem os fatos, as duas erram. No caso da CartaCapital, divulgando a quem apóia, os que a lêem ganham um elemento a mais para avaliar a sua cobertura – o que lhe dá vantagem no quesito transparência, pois, no seu entendimento, submete-se, sem embargo, ao julgamento dos leitores. Sonegando informação semelhante, Veja quer sugerir uma neutralidade que o seu procedimento não abona, pois suas matérias deixam clara a intenção de promover o candidato Geraldo Alckmin; quanto aos leitores, torna-se difícil perscrutar o juízo que a revista faz deles.
O fato positivo é que a situação provocou um inédito embate público entre os meios de comunicação, o que é raro acontecer. É de se esperar que o debate tenha continuidade, em clima menos passional, de modo que se possa avançar no aperfeiçoamento do método jornalístico.
Violência
A violência que atinge o Brasil, principalmente nos grandes centros urbanos, como Rio e São Paulo, equipara-se a uma situação de guerra para a atividade jornalística. Até o fim do ano, o International News Safety Institute (Insi) realizará, nessas duas cidades, curso para cobertura em áreas de risco. É a primeira vez que o Insi faz esse tipo de treinamento no país, reservado para jornalista de regiões conflagradas. Há consenso entre representantes dos jornalistas e das empresas sobre a necessidade do curso.
Gerenciamento de conflito (seqüestros, reféns, segurança), primeiros socorros, estresse pós-traumático e conhecimento de armas fazem parte dos módulos. Com relação às armas, o objetivo é mostrar a característica do armamento mais usado em cada conflito, de forma que o jornalista saiba que proteção precisa buscar em caso de perigo. O uso de armas é desaconselhado veementemente: ‘Nunca porte armas nem se desloque com jornalistas que o façam’, prescreve uma das regras do instituto aos trabalhadores da notícia.
O Insi foi criado em 2002 pela Federação Internacional de Jornalistas, pelo Instituto Internacional de Imprensa e outras organizações da categoria e dos meios empresariais com o objetivo de preservar a segurança física dos jornalistas. Segundo dados do próprio instituto, mais de mil jornalistas e outros profissionais da imprensa foram mortos no mundo, no exercício da profissão, nos últimos dez anos.’