Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Não sou o primeiro e, receio, não serei o último ombudsman a tocar no assunto. São as colunas sociais, um gênero ao qual se dá importância desmedida no Brasil. Muita gente é capaz de qualquer coisa para ter o nome ou foto nelas publicados, segundo se pode observar nas entrevistas dos titulares de algumas dessas colunas.

Cesar Giobbi, por exemplo, do jornal O Estado de S. Paulo, em entrevista à revista Veja São Paulo, edição de 4/5/2005 (http://veja.abril.com.br/vejasp/040505/gente.html), depois de dizer que ‘todo mundo gosta’ de sair em coluna social, afirmou ter, certa feita, ‘um cara’ lhe oferecido cinco mil reais por mês para ter garantido um espaço regular. Ele diz ter recusado, pois para ser citado na coluna ‘não custa nada’; com uma ressalva: ‘Aqui (na coluna) só sai quem eu quero.’ Essa é uma pista para entender essas colunas; elas não se guiam pelo método jornalístico – pelo fato, pelo que é notícia –, mas pelas idiossincrasias e amizades do colunista, sem nenhum dos controles do ofício aos quais estão submetidos os demais jornalistas. Por isso eles detêm tanto poder. Tanto podem distinguir alguém, como atirá-lo ao limbo; ou, pior, lançá-lo ao inferno das notinhas maldosas.

Alguns jornais, percebendo os sinais do tempo, deram outro rumo às suas colunas sociais. O exemplo mais significativo é a coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo. A rigor, ela não age como uma ‘colunista social’, mas como uma verdadeira repórter, dando ao fato, à notícia, prevalência sobre as ‘personalidades’. A sua coluna tem um escopo mais amplo – abrangendo notícias de aspectos sociais, políticos e econômicos, muitas vezes antecipando-se a outras editorias – mas, mesmo quando fala do mundo dos ‘ricos e famosos’, a sua perspectiva é jornalística. O Globo (Rio) também abandonou o estilo do século passado e mantém Gente Boa, uma coluna de variedades, sem se preocupar em agradar os ‘socialites’.

O Povo tem três colunistas sociais diários, Sonia Pinheiro (coluna do mesmo nome), Lázaro Medeiros (Íntimos & Chiques) e Lúcio Brasileiro, este assinando a coluna chamada (indevidamente) de Reportagem, de segunda-feira a sábado, que aos domingos se transforma em Acontecendo; e um colunista semanal, Pompeu Vasconcelos (Balada Vip). Fora isso, é publicado, aos domingos, o caderno People (normalmente com 12 páginas), também editado por Sonia Pinheiro. O suplemento é uma grande coluna social, tirante algumas poucas seções. Para as colunas sociais, o assunto principal é ‘onde e quem foi visto com quem’, festas, ‘marriages’, ‘nivers’ e quetais do ‘top do top do high society’, tudo regado com muitas fotos. As colunas Íntimos & Chiques, Balada Vip e a maioria das páginas do People são só isso mesmo – uma seqüência de fotografias legendadas.

Sonia Pinheiro procura dar um tom um pouco diferente à sua coluna. Parte dela é dedicada a assuntos políticos, mas de uma forma muito limitada e com alguns personagens que se repetem à exaustão. O exemplo mais gritante é o senador Tasso Jereissati (PSDB). No mês de fevereiro (26 edições; o jornal não circulou na segunda-feira e terça-feira de Carnaval), ele foi citado em 17 colunas. Mantendo a média, e contando a partir de agora – na edição de 1º de março já há mais uma citação –, ele chegará ao fim do ano marcando presença 187 vezes em um único espaço do jornal. Feito que qualquer personagem, em qualquer lugar do Brasil, terá dificuldade em igualar – mesmo porque seu nome só aparece em notícias positivas, freqüentemente acompanhado do simpático epíteto ‘Galegão’.

Lúcio Brasileiro pode ser considerado o decano dos colunistas sociais cearenses, com 50 anos de colunas diárias ininterruptas, devidamente registrado no Guinness, livro de recordes, como ele gosta de lembrar. No ano passado, ele fez uma campanha em sua coluna para receber a Medalha da Abolição; mudando o Governo, voltou à carga. Mas o destaque em suas colunas é a visão atemporal que ele tem dos fatos, registrando-os sem nenhuma preocupação se ocorreram ontem ou em passado remoto – suas notas nunca trazem o ‘quando’ – e a linguagem hermética e cifrada, entendível, se o for, por meia dúzia de seus convivas. Registrei alguns exemplos, literalmente, inclusive com os atropelos na pontuação.

‘Manobristas introduzidos quando do meu título de Sócio Benemérito no Náutico, estarão em ação, quinta, durante coq de lança do Carnaval da Saudade, não no baile.’ (edição de 6/2)

‘Com amigo adventício, no italiano da Osvaldo Cruz, César Montenegro.’ (8/2)

‘Teria muito mais para vocês, mas acontece que hoje tenho, encontro, a partir das oito e meia da matina, com meus verintes da Janga…’ (11/2)

‘Momento mais sublime do reveillon ficou por conta da PV da Tabuba, que embora fechada, queimou fogos, pra regozijo da população nativa.’ Treze dias após o réveillon.

‘Extinta aguardente Trinca, Máximo Fiúza embalou saldo do estoque, parte rotulada de Amazonas, em honra do avô de quem herdou o nome e desbravador da selva, e parte de Cearense reverenciando pai e cavalheiro Lauro.’ (17/2)

‘Amigos, e até mesmo colegas de batente, tentam me consolar, aventando que não perca esperanças de Medalha da Abolição. Mas, sinceramente, acho que perdi o trem, pois se no êxtase de meu cinqüentenário, jornalista mais antigo do mundo a escrever todos os dias, anterior governador não concedeu, sendo Lúcio de batismo e Brasileiro por mãe, deve sensatamente esquecer para sempre honraria maior do Estado.’ Em 18/2, fazendo-se de vítima para cobrar mais uma vez aquilo que se acha merecedor.

(Copiei as notas sem retirá-las de um possível contexto.) Pois bem, esse é o colunismo que se tem no Ceará. Se este jornal é reconhecidamente superior em qualidade aos outros dois periódicos, o Diário do Nordeste e O Estado, neste ponto a diferença não é muito significativa em favor do O Povo.

Cabe ao O Povo, como jornal inovador – característica incorporada ao seu histórico –, tomar a frente e promover urgente renovação no colunismo social cearense.’