‘No comentário interno à edição de quarta-feira questionei os critérios editoriais que levaram a editoria de Economia a dar manchete de página à matéria ‘Empresa pretende investir R$ 5,5 milhões para ampliar vendas’, referência à pernambucana Dupé, que participava da Feira Internacional de Calçados (Francal), em São Paulo. Um quadro secundário dava a dimensão do evento: 60 países participantes, com mil expositores distribuídos em 79 mil metros quadrados (3,4% da área ocupada por empresas cearenses) e um público esperado de 60 mil pessoas. O texto foi escrito pela repórter Wânia Caldas, que viajou a convite da Dupé. Fiz a pergunta por considerar mais importante a feira em si – e a presença cearense -, em relação ao destaque a uma das empresas participantes.
No comentário à Redação tive o cuidado de lembrar que as viagens ‘a convite’ são permitidas pelo jornal, que as regulamenta em seu Guia de Redação e Estilo no item ‘Normas Jornalísticas’, da seguinte maneira: ‘O jornal não se compromete a publicar matéria sobre o assunto objeto do convite […]. O jornalista deve tomar cuidado de permanecer isento em relação ao tema […]. O POVO não admite qualquer forma de interferência externa no conteúdo editorial: o tamanho e o destaque da matéria ficam sob responsabilidade exclusiva dos editores e do repórter’. O Guia também estabelece que a matéria tem de ser assinada e, ao fim do texto, será obrigatório informar o nome da empresa ou instituição que fez o convite, instruções rigorosamente observadas.
A editora-executiva, Neila Fontenele, chegou a ver ‘preconceito’ em relação a ‘matérias de negócios’ no questionamento que fiz. Segundo ela, notícias como essa são comuns em jornais como Valor Econômico e Gazeta Mercantil, cuja leitura recomendou-me. Afirmou também que o critério da publicação não fora o convite para a viagem, mas por ter achado ‘interessante uma empresa do setor de calçados fazer investimento de R$ 5 milhões e querer ampliar as exportações num momento de queda do dólar’. Wânia Caldas concordou com essas argumentações da editora, ao mesmo tempo em que avalizava as observações do ombudsman, quando sugeri que a Francal e as indústrias cearenses poderiam ser assunto mais interessante aos leitores do O POVO, esclarecendo a repórter: ‘O problema é que a entrada nos estandes era restrita a convidados e o tempo de viagem foi curtíssimo para percorrer os 70 mil m² da feira. Infelizmente, nós, jornalistas convidados pela Dupé, tivemos apenas uma tarde para almoçar, participar da coletiva com a empresa, escrever a matéria e ir para o aeroporto. Enfim, humanamente impossível [procurar outros ângulos para o texto]’.
O cerne da discussão está neste trecho da resposta da repórter. As viagens ‘a convite’, normalmente, têm esse padrão. O repórter fica restrito à pauta do convidador. Este procura conduzir as coisas de modo a limitar o repórter a só ver ou ouvir o que lhe interessa. Portanto, não fiz nenhum questionamento ético ao comportamento da repórter e da editora, nem poderia fazê-lo, pois ambas são profissionais de integridade inatacável. O que houve, a par das dificuldades advindas de uma cobertura nessas condições, foi um equívoco de avaliação – ou dificuldade em ampliar o assunto para o fato mais importante -, a que está sujeito qualquer jornalista, fatos que a editora reluta em aceitar.
Porém, se individualmente não pode haver questionamento ético, o fato de os jornais aceitarem convites de empresas e instituições que serão objeto de cobertura, é um assunto a se pôr em pauta sob essa ótica. A maioria dos periódicos adota o mesmo procedimento, o que não o sanciona. O adequado seria o próprio jornal pagar a despesa de seus jornalistas quando estão em serviço, mandando-os cobrir temas de interesse dos leitores e da sociedade, e não de empresas e instituições convidadoras – ainda que os interesses possam, eventualmente, coincidir. (Em dezembro/2005, na coluna ‘A convite’, tratei do mesmo assunto: http://www.opovo.com.br/opovo/ombudsman/pliniobortolotti/547860.html)
Segundo Clichê
Na segunda-feira encontro na secretária eletrônica recado de uma leitora perguntando por que o jornal que ela recebera no domingo era diferente da edição de uma amiga, este com o resultado do jogo do Brasil contra o Chile e de uma partida disputada pelo Ceará Sporting Club, informações faltantes em seu exemplar. ‘Como é que pode?’, questionava a leitora, indignada com a situação. Infelizmente ela esqueceu de deixar o nome ou o número do telefone e não pude lhe falar. Espero que ela leia esta explicação.
Nas edições de domingo é usual os jornais imprimirem seus exemplares em duas fases. Isso tornou-se comum desde que os periódicos brasileiros passaram a fechar suas edições de domingo no sábado de manhã, de modo a iniciar a distribuição à tarde. Ou seja, enquanto uma primeira leva de jornais está sendo distribuída (o primeiro clichê), outra quantidade, atualizada, está sendo preparada para a impressão, à noite, para ser distribuída no domingo de manhã (o segundo clichê). Portanto, há assinantes que recebem o primeiro clichê e outros o segundo clichê. Estes exemplares têm um alerta, impresso na margem esquerda: ‘2º Clichê’, sinal de que o jornal foi atualizado.
O primeiro clichê da capa da edição de domingo (8/7), a que se refere a leitora, tinha as seguintes notícias: ‘Hamilton larga na pole na Inglaterra’, ‘Natação do Brasil quer bater recorde de medalhas’ e ‘Transforme parte da casa em seu escritório’; duas foram retiradas e houve mudança na ordem de disposição, ficando da seguinte maneira no segundo clichê: ‘Brasil goleia Chile por 6 a 1 e pega o Uruguai’; ‘Fortaleza fica no 3 a 3 com o Avaí, no Castelão’ e ‘Hamilton larga na pole na Inglaterra’. O dicionário Novo Aurélio Século XXI, define ‘segundo clichê’ da seguinte maneira: ‘Parte da tiragem de um mesmo número do jornal, na qual se acrescentam notícias, de última hora, de fatos ocorridos durante a impressão do jornal’.’