Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Plínio Bortolotti

‘Depois de ter tentado, por vários dias, que se publicasse um esclarecimento a respeito de um erro na notícia ‘Quiropatas estrangeiros atendem de graça em Fortaleza’ (edição de 4/9) Milene Madeiro, assessora de comunicação do Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim, escreve pedindo minha intervenção para resolver o caso. Na matéria citada, o jornal errou ao informar sobre o suposto afastamento do padre Rino Bovini de sua paróquia. Textualmente, foi publicado no quadro ‘E Mais’ (pág. 7): ‘O Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim surgiu em 1996. O então pároco do bairro, o italiano Rino Bovini, pediu para se desligar das obrigações da igreja, queria dedicar-se à psiquiatria’.

Milene Madeiro escreve: ‘Desde que aqui chegou o padre Rino jamais pediu afastamento da igreja e, sem problemas, assume também o seu papel no Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim, ONG que preside, e [na qual] atua como psiquiatra’. A assessora disse ainda que o erro está causando ‘sérios problemas ao padre’, pois, diz ela, o religioso tem recebido ligação de muita gente perguntando se ele deixou suas atividades na igreja. Segundo Milena, várias dessas pessoas que abordam o padre, ‘tomaram conhecimento da nota através do site de pesquisa Google’, por isso ela teme que o assunto tome proporções ainda mais graves, o que estaria deixando o padre Rino Bovini bastante preocupado.

As providência que tomei foi pedir que se fizesse o esclarecimento na seção ‘Erramos’ (edição de quinta-feira, pág. 4), e se retirasse do Portal (internet) o trecho da matéria que continha o erro. Resolvi também expor o caso na coluna por considerá-lo relevante, pois mostra os novos dilemas éticos na profissão com o surgimento da internet, e também pelo fato de, coincidentemente ter lido, esta semana, um texto do jornalista Carlos Castilho, com o título ‘Big Google começa a assustar’ (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/blogs.asp?id_blog=2&dia=06&mes=9&ano=2007). Depois de discorrer a respeito da rápida ascensão do Google como negócio, que nasceu em 1998 no dormitório de dois estudantes da Universidade de Stanford (Estados Unidos), e hoje vale 160 bilhões de dólares, Castilho fala dos problemas que podem gerar o volume astronômico de informações guardadas em seu banco de dados. O padre Rino, por exemplo, sente na pele os estragos que podem ser causados por essa onipresente ferramenta de busca.

Se o erro tivesse acontecido há dez anos, por exemplo, certamente o padre receberia algumas ligações de leitores de Fortaleza e esclareceria o assunto; o jornal faria a correção e seus exemplares iriam para o arquivo. Hoje, a informação (e o erro) fica disponível para todo o planeta, e, no caso em tela, pode-se ter uma idéia da dor de cabeça que o padre pode ter, visto que a igreja é uma instituição mundial. É certo que eu pedi que se retirasse o texto errado da internet, mas quem garante que ninguém copiou a matéria em alguns dos milhares de serviços de clipagem eletrônica (coleção de notícias), que um número expressivo de entidades e empresas põem hoje à disposição do público na internet? Quem garante que a notícia errada não percorrerá listas e listas de e-mails?

Para reduzir os estragos, pode-se perfeitamente retirar uma notícia errada da internet ou reescrevê-la. Mas existem outros dilemas mais complexos que surgem com a internet. Imaginem que um jornal publique, corretamente, que uma pessoa foi denunciada por um crime. Passa-se o tempo, o acusado é absolvido, fato também noticiado, mas ficando as duas notícias desconectadas: uma possível varredura sobre a vida desta pessoa pode revelar o seu indiciamento, mas não a prova de sua inocência. Até que o caso seja esclarecido, o dano já pode ter sido causado. E essa matéria, correta na essência, o jornalista deve suprimi-la da internet a pedido do interessado? Seria uma ação ética?

Imaginem ainda um cidadão pacato que se envolve em um acidente de trânsito, perde a cabeça momentaneamente, briga, e acaba na delegacia. Um rapaz que é detido com uma pequena quantidade de droga. Um sujeito sóbrio que toma uma eventual bebedeira e resolve desacatar um policial que vê na rua. Para efeito de raciocínio, tenhamos como certo que é uma situação episódica na vida de cada um deles, mas, mesmo assim, no dia seguinte, se torna notícia de jornal. Suponhamos ainda que, tempos depois, estejam procurando emprego, alugando uma casa ou namorando uma mulher de pai rigoroso. A um simples toque no computador, o empregador, o senhorio e o pai poderão ter acesso aos dados dessas pessoas. Será que serão visto como baderneiros, viciados ou bêbados? Quem ficaria com o emprego, alguém que aparece como criador de caso ou outro com a ‘ficha limpa’ no Google? O noivo não seria, no mínimo, vítima de troça dos cunhados; o inquilino não teria que bater mais perna para arranjar uma casa? A má notícia é que essas situações, aparentemente ficcionais, já são realidade.

E o que isso diz ao jornalista? Que ele tem de ter cada vez mais cuidadoso em verificar as informações que vai pôr em suas notícias; que seu texto terá de ser cada vez mais preciso. Além disso, terá de observar mais rigor ao selecionar o que irá publicar, aperfeiçoando a sua capacidade de avaliação, para separar o fato importante de uma notícia trivial ou irrelevante. Obviamente, esses já são atributos indispensáveis ao jornalista, mas os controles terão de ser cada vez mais apertados, de modo a evitar mal-entendidos e, pior do que isso, a injustiça.’