Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Quando a publicidade ameaça o jornalismo

Queda na receita publicitária e aumento nos custos de produção são ingredientes certeiros para se preparar uma bela crise. Boa parte da imprensa americana, incluindo a New York Times Company, empresa proprietária do jornalão homônimo, encontra-se neste caminho no momento. A brusca queda dos lucros no terceiro trimestre de 2005 e o plano de eliminar centenas de empregos bastam para traçar o panorama atual do tradicional grupo de mídia. Não é o fim do mundo, mas não é nada bom.


A coluna desta semana [6/11/05] do ombudsman do Times parte desses fatos para abordar um tema menor mas, segundo ele, bastante importante para a credibilidade e a qualidade do conteúdo do jornal. Byron Calame afirma que a queda da receita publicitária faz com que o departamento responsável pelos acordos publicitários do jornal trabalhe a todo vapor para conseguir novos e lucrativos contratos. Para consegui-los, continua o ombudsman, é preciso que eles sejam atraentes para os anunciantes. É aí que mora o perigo: para serem atraentes, as ofertas apresentadas aos anunciantes ultrapassam, às vezes, o limite do aceitável na divisão entre conteúdo jornalístico e anúncio publicitário.


‘Por que a linha entre notícias e publicidade é tão importante?’, questiona Calame. ‘Eu fico com a visão tradicional de que os leitores confiam mais em um jornal quando há uma clara separação. Anunciantes são atraídos por leitores que confiam nas notícias. E a receita que resulta desta relação permite que o jornal continue a oferecer um jornalismo de alta qualidade aos leitores.’


O ombudsman reconhece a importância dos anúncios publicitários para um jornal. No Times, mesmo que os números oficiais não sejam divulgados, estima-se que o dinheiro que entra por anunciantes é o dobro do que o diário consegue em circulação. Ainda assim, não há justificativa, afirma ele, para que as notícias publicadas pelo jornal possam ser confundidas com anúncios – qualquer dúvida neste sentido poderia abalar a confiança do leitor.


‘Criatividade’ perigosa


Calame exemplifica algumas modalidades publicitárias nas páginas e no sítio do Times que ele considera, no mínimo, questionáveis. Uma delas é a prática de publicar um anúncio como se fosse uma notícia. Quando isso acontece, é preciso que haja, com destaque, a explicação de que não se trata de conteúdo editorial, e sim da venda de um produto ou prestação de serviço. Mas o ombudsman diz que, por algumas vezes, já encontrou anúncios deste tipo na seção literária sem a explicação claramente visível – o que pode ser considerado inaceitável.


Outra prática é estampar o anúncio de uma empresa em tinta fraca e quase apagada por baixo do conteúdo de uma página de índices financeiros, por exemplo. O Times mantém regras para o chamado ‘watermark ad’, como só publicar um por edição, e apenas nesta seção específica. Mesmo assim, há aí uma quebra na separação entre os dois conteúdos.


Por fim, o ombudsman critica os links patrocinados no sítio do jornal. Um dos pontos positivos de se publicar uma matéria na internet é poder indicar próximo a ela links para outras matérias publicadas anteriormente sobre o mesmo tema. Estes artigos indicados – e disponíveis à distância de um clique – são cuidadosamente selecionados pela equipe do Times. O mesmo não acontece com os tais links patrocinados por empresas, que são escolhidos pelo anunciante ou por alguém pago por ele para fazê-lo. Mais uma vez, aparece a quebra dos limites.


Calame afirma que continuará a observar as relações entre publicidade e jornalismo nas páginas do Times, e espera que, a qualquer sinal de que a ‘criatividade’ dos anúncios esteja interferindo na percepção dos leitores sobre o conteúdo jornalístico, a redação tome alguma providência.