Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Questão de credibilidade

Ainda esta semana, os jornalistas do New York Times receberão um relatório, intitulado ‘Preservando a Confiança de Nossos Leitores’, com recomendações de como agir diante de situações que envolvem o uso de fontes, parcialidade, divisão entre notícia e opinião e comunicação com os leitores. Preparado por uma equipe formada por repórteres e editores do jornal – chamada de ‘comitê da credibilidade’ –, o documento deverá ter seus itens comentados pelos jornalistas. A idéia é que, posteriormente, o editor-executivo Bill Keller determine quais recomendações devam ser adotadas, adaptadas ou excluídas.

O ombudsman do Times, Daniel Okrent, escreve em sua coluna de 8/5/05 que ainda não teve acesso ao conteúdo do texto, mas acredita que os tópicos mais controversos serão os relacionados ao uso de fontes anônimas. Okrent afirma que, desde que assumiu seu cargo, este é o tema mais comumente levantado pelos leitores. Eles contestam a autenticidade das citações das fontes anônimas, questionam a precisão das informações fornecidas por elas, e acreditam que os repórteres que as usam são preguiçosos ou, na pior das hipóteses, desonestos.

Os jornalistas costumam ficar enfurecidos diante destas alegações – como ficaria qualquer pessoa que tivesse sua integridade colocada à prova. Discutir se a opinião dos leitores é justa não é o que realmente importa nesta questão, diz o ombudsman. O fato é que, se eles percebem que há indícios de desonestidade nos textos e expõem sua preocupação sobre isso, o Times tem um problema – e sabe que o tem; daí a criação do ‘comitê da credibilidade’.

Necessidade e vício

Okrent concorda que, em determinadas áreas, o uso de fontes anônimas é necessário. Repórteres que cobrem os corredores da justiça criminal, o mundo da política internacional e os bastidores da Inteligência dos EUA não conseguem fazer seu trabalho sem a colaboração destas fontes. O problema é quando os jornalistas fazem desta prática um vício.

Em março de 2004, o Times revisou uma política interna sobre o uso de fontes anônimas que trazia a seguinte restrição: ‘quando usamos estas fontes, aceitamos a obrigação não apenas de convencer o leitor de sua fidedignidade, mas também de comunicá-lo qual é o objetivo desta motivação’. Um estudo conduzido por um aluno de jornalismo da New York University um mês depois revelou que apenas 2% das matérias do jornal que citavam fontes anônimas explicavam o porquê do sigilo ter sido concedido.

Um ano depois, Okrent pediu ao mesmo estudante para que fizesse a pesquisa novamente. O número de fontes anônimas caiu 24%, mas a quantidade de matérias que as citam diminuiu pouquíssimo: de 51% para 47%. O resultado melhorou, diz o ombudsman, mas a situação ainda está longe de ser a desejável.

A eterna busca pelo furo

A dificuldade em pôr planos bem-intencionados em prática está na filosofia entranhada na redação: é vitorioso o jornalista que consegue publicar uma informação que os jornais rivais não possuem. ‘Fontes valiosas, que insistem em se manter anônimas, provocam repórteres com detalhes de furos jornalísticos como se fossem biscoitos oferecidos a cães famintos’, compara Okrent. Por esta razão, é tão complicado que jornalistas se conscientizem de que, pela credibilidade de seu trabalho, seus piores hábitos profissionais devem ser abandonados.

‘Nós precisamos enfiar nos cérebros de nossos repórteres e editores que somos obrigados a contar aos leitores como sabemos o que sabemos’, diz Bill Keller. ‘Há casos onde isso não é possível, por excelentes razões – mas estes casos devem ser excepcionais, e devem também ser explicados aos leitores’. Okrent concorda, mas lembra que, sem solução, a questão da credibilidade está ficando velha.