As grandes ausências na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20 – não são o presidente Barack Obama, dos Estados Unidos; a chanceler Angela Merkel, da Alemanha; e o primeiro-ministro David Cameron, do Reino Unido. São o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Comissão Técnica Nacional de Biosegurança (CTNBio), todos órgãos do governo federal do Brasil. O Conama, por exemplo, é o órgão consultivo e deliberativo vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) encarregado de estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. Ao Ibama, também vinculado ao MMA, compete exercer o poder de polícia ambiental e executar ações das políticas nacionais de meio ambiente relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, ao monitoramento e ao controle ambiental. Já a CTNBio, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), é um órgão colegiado cuja finalidade é assessorar o governo federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa aos transgênicos.
Do ponto de vista de vários observadores brasileiros qualificados nessa área, tais como a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva e o físico e ex-secretário do Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia no governo federal José Goldemberg, o meio ambiente vai ocupar, quando muito, um papel secundário na agenda da Rio+20. Mais do que uma diferença de opinião sobre os eixos da política na área, trata-se de uma desconfiança diante do que é percebido como uma tentativa do governo do país anfitrião em conduzir o debate em direções que tiram o meio ambiente da mesa. Para eles, ao contrário, é simplesmente inconcebível discutir o desenvolvimento sustentável sem priorizar o meio ambiente, isto é, o contexto natural dentro do qual as forças e as relações de produção – as tecnologias e a organização do trabalho humano – terão que interagir simbioticamente para ser sustentável.
Pesquisando a cobertura feita pela Agência Brasil, identificamos algumas pistas, mas também detectamos lacunas em relação ao temor que esses e outros personagens têm em relação ao tratamento a ser dispensado ao meio ambiente na conferência e às razões que fundamentam esse receio. Se, de um lado, isso é bom: é o jornalismo exercendo sua função de obrigar o leitor a juntar as informações espalhadas para tirar suas próprias conclusões e formar suas próprias opiniões. Por outro, nem tanto, na medida em que a falta de cobertura, às vezes motivada pela falta de “fatos novos”, implica a falta de informações para embasar as avaliações.
Em se tratando das pistas, podemos apontar a matéria publicada em abril: Ambientalistas se unem para pedir que governo brasileiro evite retrocesso na Rio+20. Na ocasião, vários especialistas brasileiros assinaram o documento Rio Mais ou Menos 20?, sobre o qual a ABr reportou que os integrantes do grupo alertaram que “há um elevado risco de que a Rio+20 seja não apenas irrelevante, mas configure um retrocesso”. A matéria também traz comentários de dois signatários, o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), que observou que “o Brasil foi o autor do primeiro grande projeto de economia verde, o etanol, mas ficou só nisso”, e José Goldemberg, que “criticou o encaminhamento das discussões em torno da Rio+ 20, dizendo que elas estão deixando de lado as mudanças climáticas. Para ele, ao ignorar os efeitos de uma economia fundamentada na depredação dos recursos naturais, a sociedade está contribuindo para aumentar os riscos da vida na terra” (1).
Entre os documentos disponíveis na página dedicada ao meio ambiente no site especial criado pela EBC para a Rio+20, há dois que fornecem elementos relevantes à essa discussão. O primeiro, Documento de Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20, elaborado pelo MMA, apresenta as visões e propostas iniciais do governo brasileiro sobre os temas e objetivos da conferência. Em relação ao meio ambiente, dois pontos sinalizam que o meio ambiente não ganhará destaque no encontro. Primeiro, nos itens referentes à mudança do clima, à biodiversidade, ao combate à desertificação e às florestas – questões que foram fundamentais nas deliberações da Rio92 – o documento diz que não serão objeto das negociações nas reuniões da Rio+20, porque são questões que se enquadram no âmbito de outros fóruns e convenções da ONU. Segundo, na Proposta para Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), comparáveis aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), dos dez objetivos propostos apenas um é diretamente ligado ao meio ambiente: “adequação da pegada ecológica à capacidade de regeneração do planeta”, enquanto três são indiretamente ligados: “segurança alimentar e nutricional, acesso a fontes adequadas de energia e acesso a fontes adequadas de recursos hídricos” (2).
Além desses, outro documento, Retrocessos do Governo Dilma na Agenda Socioambiental, apesar de ser uma carta elaborada por organizações da sociedade civil sobre a política ambiental do atual governo, sem se voltar para a agenda da Rio+20, aponta pontos fracos do desempenho do governo que correspondem ao que pode ser interpretado como a baixa prioridade dada na prática às áreas do meio ambiente relacionadas às questões da sustentabilidade: especificamente a fragilização do Conama e a redução dos poderes do Ibama na fiscalização e no licenciamento (3).
Já em relação às lacunas, na cobertura do Rio Mais ou Menos 20? a ABr omitiu trechos importantes, além do não fornecer o link do documento, que tampouco está presente no site especial que a EBC criou para acompanhar a Rio+20: http://rio20.ebc.com.br/. O que significa uma perda para o leitor, pois o documento inclui observações como as seguintes sobre os preparativos da conferência:
“A evolução recente dos trabalhos preparatórios confirma infelizmente os riscos de que a dimensão da sustentabilidade do desenvolvimento seja diluída, na conferência, em uma agenda excessivamente abrangente… Se, na esfera doméstica, os esforços brasileiros de mitigação – concentrados na redução do desmatamento – são palpáveis, menos óbvias são as iniciativas do país no apoio à transição para uma economia de baixo carbono. Na grande maioria dos países, as agendas de mitigação das emissões e de transição para uma economia de baixo carbono estão estreitamente relacionadas – uma vez que a origem das emissões se concentra, nesses países, no setor energético e/ou na indústria. No Brasil, ao contrário, parece haver uma desconexão entre as duas agendas. Enfrenta-se o desafio da mitigação – reduzindo o desmatamento – mas pouco se faz para avançar em direção a uma economia de baixo carbono” (4).
Voltando à questão levantada no início desta coluna quando anuncia as grandes ausências na Rio+20, tanto a cobertura quanto a não cobertura proporcionam subsídios ao leitor. Sobre a Conama há o seguinte depoimento em uma matéria publicada pela ABr em abril deste ano: “‘O que nós percebemos é que há uma posição fechada de governos, do setor econômico e de entidades não governamentais mais chapa branca, em uma posição de manutenção do status quo’, disse Carlos Bocuhy, membro do Conama … ‘A ciência não é ouvida em relação aos ecossistemas, ou seja, há uma grande interrogação nesse processo [da Rio+20]. A gente corre o risco que a conferência seja apenas mais um momento para pintar o que nós já temos aí de verde e não de, realmente, proporcionar para a sociedade planetária um salto de qualidade na gestão do planeta’, completou” (5).
Quanto à participação do Ibama na Rio+20, não há nenhuma informação específica, porém um matéria publicada pela ABr em maio dá uma ideia das limitações do órgão na abertura ao diálogo quando se trata do licenciamento de projetos, tanto durante o processo como depois.: “O representante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis [Ibama], Thomaz Miazaki de Toledo … disse que o licenciamento do projeto de Belo Monte foi amplamente debatido. Segundo ele, participaram do aperfeiçoamento do projeto original profissionais de vários órgãos do governo como o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária [Incra] e o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional [Iphan]. Miazaki ressaltou que, a partir do processo de licenciamento ambiental, não cabe mais o debate sobre alternativas de matriz energéticas, como tem servido de argumento em várias ações civis públicas impetradas para paralisar a obra. ‘O assunto, geralmente, é discutido de forma subjetiva pela imprensa,’ opinou. Miazaki acrescentou que todo o processo de licenciamento segue um ‘roteiro objetivo’ de sete fases que o antecede” (6).
Ainda em relação ao Ibama, um fato que ocorreu no dia 14 deste mês escapou a pauta da ABr: “Rio+20: funcionários do Ibama fazem protesto: Funcionários do Ibama subiram no Corcovado com faixas pretas para a manifestação. Segundo eles, o discurso do governo federal de preocupação com o meio ambiente não condiz com a realidade”. “Meio ambiente nunca foi prioridade do governo” diz um dos cartazes” (7).
Sobre a participação da CTNBio na Rio+20 não foi encontrado nenhuma cobertura da Agência Brasil.
Boa leitura.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-04-18/ambientalistas-se-unem-para-pedir-que-governo-brasileiro-evite-retrocesso-na-rio20
http://www.rio20.gov.br/documentos/contribuicao-brasileira-a-conferencia-rio-20
http://www.minhamarina.org.br/blog/2012/03/manifesto-retrocessos-do-governo-dilma-na-agenda-socioambiental/
http://aldeiacomum.files.wordpress.com/2012/04/rio_mais_ou_menos_20.pdf
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-04-16/especialistas-em-sustentabilidade-cobram-mais-participacao-social-e-cientifica-na-rio2
http://rio20.ebc.com.br/noticias/sem-belo-monte-sociedade-tera-que-arcar-com-custo-ambiental-de-termicas/
http://rionews.ws/?p=24158