Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Regina Lima

“Na coluna da semana passada, tratamos das definições, discussões e importância de um novo marco regulatório das comunicações no Brasil, que, além de determinar as regras para o funcionamento do setor, contempla a fiscalização do cumprimento das normas, com auditorias técnicas e o estabelecimento de indicadores de qualidade [1]. Na coluna desta semana, destacamos que na falta de regulamentação em relação às questões pertinentes a comunicação pública, o sistema de checks and balances (freios e contrapesos) entre os Três Poderes, que deveria proteger o cidadão contra abusos de poder e contribuir para maior transparência, tem servido para embaralhar ainda mais o processo decisório e reforçar o impasse caracterizado pela disputa entre prerrogativas institucionais quando não há definições mais específicas para direcionar o debate.

Um exemplo é a participação do Congresso no processo da renovação das outorgas. A inclusão desse dispositivo na Constituição de 1988 era vista na época como uma conquista, já que a renovação das concessões antes era competência exclusivamente do Poder Executivo, o que permitia o uso das outorgas como moeda de troca política. No entanto, segundo explica o pesquisador Venício Lima, ‘tal inovação foi ‘um tiro no pé’. O que acontece é que a demanda política de que este poder fosse compartilhado com o Legislativo não levou em conta que, na tradição brasileira, que já existia naquela época, os grandes beneficiários desta prática política eram as elites políticas locais e regionais que estavam direta e indiretamente representadas no Congresso’ [2]. As condições que facilitam a renovação – a Constituição de 1988 estabeleceu que a cassação de outorgas só pudesse se dar por decisão judicial e estabeleceu um procedimento que praticamente garante a renovação das licenças, ao prever o quórum de dois quintos dos parlamentares do Congresso em votação nominal para a não renovação – junto com os interesses de muitos parlamentares nas emissoras tornaram praticamente nulos os efeitos, inclusive do ponto de vista da proibição constitucional da formação de monopólios e oligopólios no setor, já que muitas dessas emissoras são afiliadas às grandes redes privadas existentes no país. Em 2011 o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) apontou uma bancada informal de 60 parlamentares proprietários, acionistas ou ligada a emissoras de rádio e TV. Contando proprietários diretos e indiretos (parentes de concessionários, por exemplo), o número sobe para mais de 100 [3]. Segundo dados da pesquisadora Suzy dos Santos, há 128 geradoras e 1.765 retransmissoras de TV nas mãos de políticos [4].

Entre os Poderes Legislativo e Judiciário, o sistema de freios e contrapesos registra outras fraquezas. As ações movidas na Justiça para obrigar o Congresso a tomar as medidas necessárias para a regulamentação dos dispositivos constitucionais relacionados à comunicação esbarram na defesa apresentada pelos líderes parlamentares de que há propostas em tramitação nas duas Casas. Pouco importa que essas propostas estejam paradas há anos. Por sua vez, os instrumentos jurídicos para lidar com as situações em que o Congresso pode apenas ser acusado de omissão são precários. No que diz respeito às alternativas jurídicas aplicáveis a esses casos, Enzo de Lisita, mestre em direito, relações internacionais e desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), observa em relação ao Artigo 221 da Constituição, que prevê que a programação de televisão dê preferência a ‘finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas … e buscar a promoção da cultura nacional e regional’, que as ações diretas de inconstitucionalidade por omissão (Adin-O) não têm força: ‘a não adoção das providências necessárias pelo poder omisso não acarretará nenhuma obrigação de fazer, tampouco haverá punição para o agente público responsável pela omissão’ [5]. Outra alternativa prevista na Constituição, o mandato de injunção, não é mais eficaz para efetuar as mudanças almejadas, porque, ironicamente, como os artigos referentes à comunicação social, ele próprio é um instrumento que carece de regulamentação. Resta como a opção mais viável a ação civil pública, movida pelo Ministério Público provocado pelas entidades da sociedade civil.

Quanto ao funcionamento do sistema de freios e contrapesos entre os Poderes Executivo e Judiciário nas questões referentes ao marco regulatório das comunicações, tem prevalecido a atitude de timidez por parte do Executivo diante do Judiciário. Sobre uma Adin-O movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no Supremo Tribunal Federal em 2010 visando à regulamentação de artigos da Constituição Federal relativos à comunicação, a opinião da Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o governo federal no Judiciário, era que o direito de resposta e a proibição de monopólio e oligopólio não dependem de regulamentação, já que a Constituição lhes garantiria ‘eficácia plena e aplicabilidade imediata’[6].

Anteriormente uma iniciativa da Casa Civil que esbarrou em obstáculos decorrentes da falta de definição nas leis foi abandonada antes de chegar à esfera do Judiciário. ‘Em 2007, por ocasião do vencimento de várias concessões de redes importantes como Globo, Record e Bandeirantes, a Casa Civil chegou a solicitar ao Ministério das Comunicações a comprovação documental do cumprimento dos mínimos e máximos referentes à programação, bem como o respeito aos princípios constitucionais elencados anteriormente. Após a reclamação do ministério de que tal verificação seria inviável e ampla demais, a Casa Civil recuou e retirou o pedido. A argumentação da pasta baseou-se na alegação da falta de clareza acerca dos critérios. Para o professor Murilo Ramos, coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (Lapcom-UnB), uma das questões que sustentam o argumento do ministério é a total obscuridade do contrato celebrado entre o Estado brasileiro e os concessionários. ‘Quem conhece um contrato desses?’ Quais obrigações ele estabelece?’ questiona. Os contratos são armazenados pelo Tribunal de Contas da União, sendo público no Diário Oficial apenas um extrato. No entanto, a assessoria do TCU informou que eles só podem ser publicizados em caso de processo judicial’[7].

Em um texto sobre as agências regulatórias norte-americanas, Cass Sunstein, professor de direito da Universidade de Harvard, defende o sistema de freios e contrapesos contra as críticas de que a fragmentação do poder dificulta a ação do governo. Segundo ele, ‘em muitas áreas, a intervenção governamental substancial é necessária. Se limitações estruturais rígidas tornam mais difícil a ação governamental, problemas sociais importantes podem restar sem solução. Além disso, mudanças rápidas são às vezes necessárias para resolver problemas sociais, particularmente em áreas como regulação do meio ambiente e telecomunicações, nas quais a tecnologia está em constante evolução. Por essas razões, alguns observadores têm criticado o sistema de freios e contrapesos por ele dificultar a ação do governo. Essas críticas são exageradas, porém, porque … o sistema de freios e contrapesos não precisa levar necessariamente ao imobilismo’ [8].

No caso das comunicações no Brasil, a falta de um marco regulatório ou de leis específicas bem definidas, esse sistema de checks and balances (freios e contrapesos) entre os Três Poderes reforça o imobilismo quando nenhum dos Três Poderes manifesta forte vontade para efetuar as reformas.

Boa leitura!

[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-05-27/coluna-da-ouvidoria-novo-marco-regulatorio-das-comunicacoes-no-brasil-definicoes-e-discussoes

[2] http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=4142

[3] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/COMUNICACAO/193798-LEI-DE-COMUNICACOES:-INFLUENCIA-DA-BANCADA-DE-RADIODIFUSAO-DIVIDE-OPINIOES.html

[4] http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=4142

[5] www.ccsa.ufrn.br/ojs/index.php/PPGD/article/download/253/319

[6] http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=9124

[7] http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=4142

[8] http://academico.direitorio.fgv.br/ccmw/images/b/b8/Sunstein.pdf”