‘A pesquisa Datafolha divulgada ontem, dando 17 pontos de vantagem para Dilma Rousseff, parece ter antecipado o fim de uma história -um conto de fadas para os petistas, uma narrativa de terror para os tucanos. Mas faltam 42 dias de campanha e nesse tempo ainda há muito o que fazer em jornalismo.
Até agora, a cobertura eleitoral tem se concentrado na campanha, no diz-que-diz de cada candidato, no que se vê na TV.
O editorial ‘Pai e Mãe’, publicado na quinta-feira passada, ressaltava o fato de Dilma ser pouco conhecida, nunca ter disputado uma eleição. Chamava isso de ‘fragilidade alarmante’, ocultada pela ‘xaropada sentimental dos publicitários’, e conclamava a ‘imprensa independente’ a ‘levantar o véu da fantasia’.
É possível -e necessário- fazer o mesmo com José Serra, chamado, também em editorial, de um ‘personagem errático, não raro evasivo’, em busca de um ‘improvável intento de redefinir a sua imagem pública’.
Desnudar candidatos não é tarefa simples. Os debates, engessados por regras impostas pelos candidatos, não ajudam. Os jornalistas não podem fazer réplicas: jogam uma pergunta, que por mais incômoda que seja, é sempre respondida com evasivas, e depois são impedidos de retrucar.
Foi o que aconteceu no primeiro debate da internet, promovido pela Folha e pelo UOL, na quarta-feira. Foram três perguntas duras -sobre as alianças de José Serra, sobre as intenções de Marina Silva num eventual segundo turno e sobre a saúde de Dilma-, todas mal respondidas pelos presidenciáveis.
Uma saída é confrontar, sempre que possível, falas e atitudes. A Folha fez isso bem na edição de sexta-feira, quando José Serra, em um congresso de jornais, acusou o governo federal de ser contra a liberdade de imprensa, mas se recusou em seguida a responder a determinadas perguntas de jornalistas.
‘Nunca antes nesse país’, como diria Lula, se viu tamanha obra de arte marqueteira, nem quando transformaram um sindicalista barbudo com discurso de esquerda em um líder neoliberal engravatado em terno Ricardo Almeida.
A ‘missão impossível’ é romper os limites impostos pelos candidatos e enveredar por terrenos ainda inexplorados, como o pântano do financiamento de campanha, tema da questão mais incômoda do debate, feita por um internauta para Marina Silva: ‘Bancos e empreiteiras, como o Banco Itaú e a Camargo Corrêa, são importantes doadores eleitorais. A senhora acha que eles fazem isso por amor ao Brasil?’. Ela enrolou, enrolou e não respondeu.
É preciso ainda avaliar profundamente as políticas adotadas pelos principais candidatos e discutir programa de governo, se os partidos se dignarem a produzir algo que mereça esse nome.
Mesmo as pesquisas eleitorais podem gerar reportagens que vão além do cruzamento de porcentagens. Sem inventar gincanas jornalísticas do tipo ‘40 cidades em 40 dias’ -como fez a Folha na Copa e como o ‘Jornal Nacional’ anunciou-, é possível mostrar como está o país de verdade, entender ‘in loco’ as razões da popularidade do presidente e como se dá a transferência de voto para a sua escolhida. O jogo eleitoral, para os jornalistas, ainda não está ganho.
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Você conhece a famosa Ana B.?
Na briga por cliques, os sites têm se superado. Na terça-feira passada, a Folha.com caprichou: ‘Espanha tem jogadora chamada Ana Buceta’.
Não havia novidade, era simplesmente a existência de uma meio-campista de 17 anos com esse sobrenome, que só é palavrão em português.
A piada ainda tentou parecer notícia com uma abertura digna do ‘Casseta & Planeta’: ‘Se no futebol masculino a Espanha é referência após a conquista da Copa, no feminino se destaca apenas na categoria sub-19. Em razão de um nome em particular…’
A audiência correspondeu como esperado: Ana Buceta ficou entre as mais vistas e as mais enviadas durante a maior parte do dia. É o ‘jornalismo Tiririca’, ‘pior do que está não fica’.’