Saturday, 30 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Suzana Singer

‘A Folha surpreendeu seus leitores no domingo passado com o editorial de Primeira Página ‘Saldo Favorável’, sobre os anos Lula. O texto era ainda mais positivo do que indicava o título.

Mesmo depois de várias ressalvas significativas, o jornal conclui que ‘Lula deixa o governo como estadista democrático que honrou boa parte dos compromissos assumidos numa trajetória épica’.

É o mesmo jornal que, em 2006, logo depois de estourar o caso Francenildo -o caseiro que disse ter visto Antônio Palocci em uma casa frequentada por lobistas e garotas de programa-, afirmou que ‘a desfaçatez, o uso sistemático da mentira, o empenho em desqualificar qualquer denúncia, nada disso constitui novidade no comportamento do governo Lula’.

O editorial ‘Abuso de Poder’, também na capa, dizia que o Brasil tinha atingido ‘níveis inéditos de degradação ética, de violência institucional e de afronta às normas de convivência democrática’. O governo Lula ainda sofria os efeitos da sua pior crise política: o escândalo do mensalão, furo da Folha, que se tornou a primeira grande mancha no partido que pretendia ser uma referência ética para o país .

Mais recentemente, em plena campanha eleitoral, a Folha alertou em texto na Primeira Página sobre os riscos de ‘enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos que protege as liberdades públicas’, quando se formam ‘ondas eleitorais avassaladoras’, no texto ‘Todo poder tem limite’. Era uma advertência contra o que o jornal chamou de bravatas de Lula e Dilma contra a imprensa.

Não foi apenas nos editoriais que a Folha se mostrou dura com o primeiro presidente petista. O noticiário se pautou por apontar problemas administrativos, desnudar conchavos, mostrar onde o país ia mal. Fez o que precisava ser feito. Não embarcou na euforia que tomou o país com a eleição do ex-proletário nem reduziu a intensidade das críticas quando ele quebrou recordes de popularidade.

A salutar tradição de ‘se há governo, sou contra’ cegou, porém, o jornal por um bom tempo. Demorou-se a perceber o avanço social promovido pelo atual governo e até por isso era difícil entender como sua aprovação ia tão bem, mesmo depois de tantas denúncias de corrupção. A ‘relevante melhora nas condições de vida dos mais pobres’, descrita no editorial de domingo, entrou tarde na pauta do jornal, concentrada demais no que ocorria em Brasília.

Inesperado, mas muito bem-vindo, o balanço dos anos Lula, tanto no editorial quanto no caderno especial, mexe com as convicções de quem considera a Folha tucana.

Revirando ainda mais os arquivos, descobre-se que o jornal não foi nada condescendente com Fernando Henrique Cardoso no final de seus mandatos. Exatamente oito anos antes do balanço de Lula, a Folha afirmava que FHC frustrou os que esperavam dele um governo ‘arrojado e imaginativo’. O saldo era ‘moderadamente favorável’, concluía o editorial ‘Bom presidente, governo nem tanto’.

Os que consideram que o jornal não poderia fazer diferente diante das ‘óbvias conquistas’ dos últimos anos deveriam ler o caderno especial que ‘O Globo’ publicou também no domingo passado. O mote era o paradoxo de um ‘presidente tão popular em um governo tão modesto’, praticamente sem méritos próprios. Segundo o jornal carioca, Lula falhou na educação, na saúde, na violência, na infraestrutura, em quase tudo.

Felizmente, a Folha não brigou com a realidade. Sem deixar de criticar, provou que não tem medo de reconhecer os avanços de um governo com o qual manteve oito anos de relações conflituosas, para dizer o mínimo. Foi um bom fecho para um 2010 para lá de conturbado.’