“A julgar pela manchete de quinta-feira passada (‘Serra sugeriu que Siemens fizesse acordo, diz e-mail’), a Folha jogou para o alto a cautela que vinha adotando na cobertura do escândalo do superfaturamento de trens e metrô em São Paulo.
Cuidadoso no início, o jornal evitou repercutir o que tinha sido publicado na ‘IstoÉ’ porque se tratava de um depoimento anônimo. Enquanto os concorrentes faziam cálculos sobre o tamanho do prejuízo causado pelo cartel, a Folha mostrava que ainda não existe um levantamento de todos os contratos envolvidos no esquema.
A sigla PSDB só apareceu na ‘Primeira Página’ no último dia 2, quando a reportagem obteve um documento da Siemens acusando o governo Mário Covas de ter dado aval à formação do cartel. O texto trazia também entrevista do então secretário de Transportes, que negou saber do conluio entre as empresas, mas afirmou que nunca viu ‘licitação de fato competitiva’.
A timidez inicial tinha sido acertadamente rompida, mas devagar com o andor… O capítulo envolvendo o ex-governador José Serra é completamente diferente.
A reportagem de quinta-feira não sustentava uma manchete. Quem lê ‘Serra sugeriu que Siemens fizesse acordo, diz e-mail’ conclui que o tucano foi apontado como avalista da formação de um cartel.
Não era nada disso. Tratava-se de uma concorrência, de 2008, que já tinha terminado, mas que a Siemens ameaçava contestar na Justiça, o que poderia atrasar a entrega dos trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
Segundo o e-mail de um executivo da multinacional, Serra e José Luiz Portella, este na época secretário de Transportes, sugeriram que, em vez de questionar o resultado, a empresa negociasse com a vencedora, a espanhola CAF, e tentasse ser subcontratada por ela.
Se essa sugestão foi mesmo feita, não deu em nada. A Siemens foi à Justiça, mas perdeu. A CAF, que tinha oferecido preços 15% menores, levou o contrato e não repassou parte do serviço para a rival alemã.
Serra e Portella negam ter feito qualquer proposta à Siemens, frisam que a concorrência tinha terminado e afirmam que ela resultou em economia para o Estado.
A própria reportagem trazia a ressalva de que ‘os documentos examinados pela Folha não contêm indícios de que Serra tenha cometido irregularidades, mas sugerem que o governo estadual acompanhou de perto as negociações entre a Siemens e suas concorrentes’.
Se não há irregularidade, por que colocar o caso com tamanho destaque? Em vez de publicar o e-mail e o ‘outro lado’, por que não partir do documento para uma investigação mais profunda?
O escândalo do cartel tem potencial para fazer no PSDB um estrago semelhante ao que fez o ‘mensalão’ no PT. Pela primeira vez, uma empresa grande denuncia um esquema de superfaturamento que parece ter durado anos em São Paulo. É um tremendo filão jornalístico, mas não dá para cortar etapas e levantar suspeitas precipitadamente.
Petistas dirão que esse cuidado não foi tomado quando as denúncias eram contra eles. Seria bom que ouvissem o ministro Gilberto Carvalho: ‘Não quero fazer com os outros o que fizeram conosco. Condenar antes da hora, condenar sem saber’.
Como lembrou o bilionário Jeff Bezos, recém-chegado ao mundo da imprensa, o bom jornalismo implica dois tipos de coragem. ‘O primeiro é a coragem de dizer Espere, certifique-se, vá devagar, procure outra fonte. Estão em jogo pessoas reais e suas reputações, seu ganha-pão e suas famílias.’ A segunda é a coragem de dizer Siga a notícia, custe o que custar’.’
Bem teórico
O título principal do caderno especial que circulou no domingo passado — ‘Formação de professor fica longe da realidade da escola’— poderia ser adaptado para uma autocrítica: ‘Suplemento fica longe da realidade da escola’.
Com a proposta de discutir ‘quem educa os educadores’, o caderno era um amontoado de estatísticas e conversas de especialistas. Pouquíssimos professores entrevistados e apenas um curso visitado. A Folha precisa se convencer de que não dá para discutir educação sem sujar a roupa de giz.”