‘‘Um micaço.’ A definição, dada pelo humorista Claudio Manoel, do extinto ‘Casseta & Planeta’, é perfeita para definir o processo que a Folha decidiu mover contra o blog ‘Falha de S.Paulo’.
O site humorístico, criado em setembro, fazia paródias -grosseiras- das notícias e insultava jornalistas, sempre na tentativa de mostrar que a Folha protegia José Serra durante a campanha eleitoral.
O nome ‘Falha de S.Paulo’ vinha escrito no alto do site, em um logotipo idêntico ao da Folha, apenas com a troca de uma letra. O endereço eletrônico era www.falhadespaulo.com.br.
Uma liminar a favor da Folha retirou o blog do ar no início de outubro. Os autores tentaram reverter a decisão, mas não conseguiram e o caso ainda será julgado em primeira instância. O jornal exige também uma indenização.
Os irmãos Lino e Mario Ito Bocchini, criadores do ‘Falha’, conseguiram montar uma guerrilha poderosa na internet. No último dia 23, em entrevista publicada no ‘Estadão’, Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, saiu em defesa deles, como se o caso estivesse mobilizando o país.
‘Entendo que há um grande escândalo em relação ao blog ‘Falha de S.Paulo’, que é uma sátira ao nome do jornal com o qual temos uma parceria no Brasil. Entendo a importância de proteger a marca e temos sites similares que se passam por WikiLeaks. Mas o blog não pretende ser o jornal e acho que deve ser liberado. A censura é um problema especial quando ocorre de forma camuflada. Sempre que há censura, ela deve ser denunciada’, declarou Assange.
Em 27 de dezembro, foi a vez de o ‘Financial Times’ publicar em um de seus blogs que ‘a Folha tem sido um exemplo na cruzada pelo jornalismo no Brasil por décadas’, mas que ‘sua reputação desandou recentemente graças à resposta pesada que o jornal deu a dois irmãos que criaram um blog de paródia’.
A dupla de blogueiros já tinha conseguido emplacar uma matéria no site da revista ‘Wired’, além de ter obtido o apoio dos Repórteres sem Fronteiras.
Tanto barulho só se justifica porque o ‘Falha’ conseguiu convencer uma parte da opinião pública de que o processo é uma tentativa de censura. A Folha discorda.
A empresa diz estar protegendo a sua marca e seu domínio (endereço eletrônico), sem entrar no mérito do direito à sátira. ‘Não se discute o teor das ideias difundidas, o que a Folha compreende dentro dos limites da liberdade de manifestação de pensamento. O que se busca impedir é a utilização indevida de sua marca e conteúdo, usurpando o seu direito e induzindo o consumidor em erro’, afirma Orlando Molina, diretor jurídico do jornal.
Para Lino Bocchini, jornalista que trabalhou duas vezes no ‘Agora’, da mesma empresa que edita a Folha, trata-se de ‘desculpa esfarrapada’. Ele não acredita que leitores confundiriam a ‘Falha’ com a Folha e afirma que seria impossível fazer graça sem criar semelhança com o objeto ironizado.
É difícil encarar essa disputa como uma luta pela liberdade de expressão, como querem os autores do ‘Falha’. Toda empresa tenta proteger sua marca e as vias judiciais são o meio para isso.
Mas não faz bem a um veículo de comunicação progressista – e que se considera ‘jornal do futuro’- cercear um blog caseiro, apelativo sem dúvida, mas inofensivo.
Nessa batalha de David contra Golias, o papel do gigante malvado coube à Folha, que teve sua imagem muito mais prejudicada do que se tivesse simplesmente ignorado as pedrinhas dos irmãos blogueiros.’