‘Quando todos os olhos estavam voltados para as chuvas em São Paulo, uma parte considerável da região serrana do Rio desmoronou. Aconteceu na madrugada de terça para quarta-feira. Uma feroz enxurrada de lama e rochas matou mais de 500 pessoas, na maior tragédia natural da história do Brasil.
Fazer uma boa cobertura jornalística de calamidades implica superar dificuldades enormes. A chegada aos locais, em geral isolados, conseguir se comunicar sem celular, obter e transmitir boas fotos, enfim, há uma série de obstáculos logísticos no caminho da reportagem.
Mas não é só isso. Não é fácil descrever o que se encontra com sensibilidade e sem pieguismo, obter bons relatos, não se perder no caos e, na edição, em pouco tempo, organizar a avalanche de informações, contextualizar o que ocorreu em uma perspectiva histórica e eleger o mais relevante.
A Folha, que costuma crescer em momentos assim, não foi bem desta vez. O jornal de quinta-feira, o mais ‘quente’ no jargão jornalístico, parecia morbidamente obcecado pelo cenário de devastação, sem ir muito além disso.
As grandes fotos da Primeira Página e da capa de Cotidiano eram de cadáveres, além de outras duas, editadas em alto de página. Nada contra imagem de mortos, mas uma seria mais do que suficiente. Não havia nenhuma fotografia mais aberta que ajudasse o leitor a entender o relevo da região e a perceber a dimensão da tragédia.
Nos exemplares que circularam na cidade de São Paulo, três de cinco títulos principais eram: ‘271 mortos (e vai aumentar)’, ‘Em Teresópolis, mortos ficaram pelas ruas’ e ‘Bombeiros resgatam corpos por onde passam’.
Havia textos redundantes, insistindo na tecla dos mortos por todo lado -aconteceu no impresso o que muitas vezes ocorre no telejornalismo, quando repórteres ofegantes, enviados a lugares de catástrofes, só conseguem repetir ‘dor’, ‘tragédia’, ‘tristeza’.
Ninguém duvida de que o cenário é de horror em Nova Friburgo, como foi no Haiti (terremoto, 2010), em Nova Orleans (furacão, 2005) e na costa do oceano Índico (tsunami, 2004) -guardadas, é claro, as devidas proporções. Constatar isso não é suficiente.
Uma saída é buscar histórias impressionantes, que na Folha não apareceram na quinta-feira. Não havia os sete bombeiros soterrados a caminho de um salvamento. Nem a família tradicional do Rio, hospedada em uma casa de luxo em Petrópolis, que foi devastada pela enchente (o relato, fraco, saiu na sexta-feira). Nem o músico do Kid Abelha que, sem poder ajudar, falava com os filhos pelo telefone enquanto a casa em que eles estavam hospedados em Teresópolis se enchia de água aos poucos.
Quando ocorre um grande desastre, as pessoas ficam ávidas por mais informação, apesar da cobertura intensa da televisão e da internet. É a hora de o jornal -lento por definição (seus relatos sempre vêm com ‘delay’ de 24 horas) e sem o recurso dos vídeos (como o emocionante resgate da sra. Ilair, içada por uma corda ao topo de um prédio) -se mostrar relevante, com olhar diferenciado, que fuja do óbvio.
Cabe ao impresso ainda discutir mais profundamente causas, responsabilidades e soluções para o problema das chuvas no país. Abrir espaço para análises urbanísticas e políticas. Trata-se de uma ótima oportunidade de provar aos leitores que continua valendo a pena sujar a mão de tinta para se informar. Ainda dá tempo. As chuvas, infelizmente, não terminaram.’