Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

Parece haver hoje apenas uma certeza na imprensa mundial: a de que o jornal impresso corre risco de extinção. A cada novo gadget, as trombetas do apocalipse jornalístico soam mais fortes. Neste mês, o frenesi aumentou com a chegada do iPad, capaz até de exterminar os livros.

‘Para jornais, a metáfora que vem à mente é a da areia caindo na ampulheta’, o tempo se esgotando, decretou relatório recente sobre a mídia dos EUA.

Esse haraquiri coletivo é, no fundo, um jogo de adivinhação inútil ao leitor. Enquanto houver jornal, o importante para quem paga por ele é que seja benfeito. E é para isso que estarei aqui.

Depois de 23 anos fazendo a Folha, colocando a mão na massa todos os dias, chegou a hora de sair de campo para observar o jogo e apontar erros/ acertos da equipe que faz o diário de maior circulação no país (considerada a média de 2009).

Assumo como ombudsman em um ano difícil, com coberturas importantes: a Copa do Mundo, que coloca a imprensa diante da encruzilhada de ‘criticar demais e ser vista como derrotista’ ou ‘tecer só elogios e cair no ufanismo’, e a eleição presidencial, que promete ser acirradíssima.

Em sua coluna de despedida, meu antecessor, o veterano Carlos Eduardo Lins da Silva disse que não suportaria a eleição presidencial, quando ‘se exercitarão com força total os piores instintos de parcela pequena mas nefasta do eleitorado engajada na guerra sectária de partidos políticos’.

No que depender de mim, os ‘trogloditas de espírito’, como descreve Carlos Eduardo, ficarão em segundo plano. O Fla-Flu político, que tem sua expressão máxima na guerra de blogs radicais, interessa a poucos, basicamente seus autores e uns convertidos que se regozijam em reiterar suas convicções.

Estou em busca do leitor silencioso, que se irrita com a Folha, mas se esquece dela antes de ter tempo de mandar um e-mail reclamando.

Em um jornal com mais de 290 mil exemplares, o leitor acaba se tornando um ente volátil, fictício, fala-se em nome dele para defender teses A, B ou C. Ou, o que é pior, sucumbe-se ao erro narcisista de ignorar quem nos lê e escrever para colegas, fontes (quem passa informações) e especialistas.

Para a Folha, ouvir o homem comum será especialmente importante nos próximos meses, quando estreia um novo projeto gráfico, com mudanças visuais e editoriais, que inclui extinção e criação de cadernos.

Participei de vários processos como esse e sei que, apesar das especificidades técnicas e das pesquisas de opinião, prevalecem em muitas decisões o ‘eu acho assim mais bonito’ ou o ‘aposto que vão gostar de uma seção desse jeito’. Arbitrário mesmo.

Com a ajuda de você, leitor, tentarei levar demandas reais para a Redação. Afinal, toda mudança deveria ter apenas um objetivo: deixá-lo mais satisfeito com o seu jornal.

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Sexo é o assunto

Nem política nem futebol. O tema que mais gerou mensagens nesses dois meses sem ombudsman foi a capa do Folhateen (5/04) sobre garotas que se expõem sexualmente na web em troca de dinheiro.

Foram 19 e-mails, todos reclamando de que a reportagem não deveria estar em um caderno de adolescentes e que incentivava as teens a imitarem as entrevistadas. Alguns disseram que faltou dar nome aos bois: prostituição eletrônica.

Conversei com três entrevistadas e todas gostaram do que foi publicado. ‘Cada um contou sua história. Não teve juízo de valor, mas eu entendo que tenha gente revoltada porque é um assunto agressivo publicado em um jornal educativo’, disse Jéssica, 19, a garota da capa, que se ofende justamente se for chamada de prostituta cibernética.

Discordo dos leitores que viram no texto apologia da prostituição e não acho que esse assunto não cabe ao Folhateen. Mas concordo que todos os problemas decorrentes de ficar nua na rede, de se masturbar na frente de uma webcam ou vender calcinhas usadas foram pouco destacados.

Basta comparar os títulos. Na capa e nas páginas internas: ‘Muito prazer’ e ‘Faturando com sensualidade’. No outro lado: ‘Sem afinidade, é melhor não fazer, diz psiquiatra’.

O problema central foi captado, sem saber, por Lola, 20, uma das garotas retratadas: ‘Acho que a reportagem mostrou tudo de forma natural’. Eu acrescentaria: natural demais.