Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Suzana Singer

‘AO LONGO da semana que passou, Dilma Rousseff e José Serra viraram coadjuvantes na cena eleitoral. Os holofotes se voltaram para o presidente Lula e a imprensa, engalfinhados em um confronto do qual nenhum sairá vencedor.

O presidente vem acusando os principais meios de comunicação de venderem uma neutralidade mentirosa e de ‘inventarem coisas o dia todo’. Arrematou com a promessa de ‘derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como partidos políticos’.

A imprensa reagiu rapidamente, com editoriais contundentes, que afirmavam, por exemplo, que ‘o destampatório [de Lula] representa mais uma etapa da marcha para a desfiguração da instituição sob a sua guarda, com a consequente erosão das bases da ordem democrática’ (‘O Estado de S. Paulo’).

A Folha já havia dito, em editorial, que ‘é preciso estabelecer limites e encontrar um paradeiro à ação de um grupo político que se mostra disposto a afrontar garantias democráticas e princípios republicanos de forma recorrente’.

Na sexta-feira, o jornal popular ‘Extra’, do Infoglobo, fez uma capa sui generis: um rei de baralho, com o título ‘Lula é bonito’ e a explicação ‘essa é a manchete para quem acha que o papel da imprensa é bajular os donos do poder’ (veja acima).

Para engrossar o caldo, um grupo de 59 personalidades divulgou um ‘manifesto em defesa da democracia’ e, do outro lado, sindicatos e políticos convocaram um ‘ato contra a mídia golpista’.

Os oposicionistas, que incluem dom Paulo Evaristo Arns e Hélio Bicudo, afirmam que ‘é preciso brecar essa marcha para o autoritarismo’.

A retórica dos que repudiam a mídia não ficou atrás. ‘A manipulação grosseira [das notícias] objetiva castrar o voto popular e (…) deslegitimar as instituições democráticas’, dizia o convite para o ato, encerrado por Luiza Erundina (PSB).

Excitados pela possibilidade de um segundo turno, os dois lados exageram e confundem. Não há tentativas golpistas nem em Lula nem na imprensa.

Os críticos à Folha têm razão quando afirmam que o noticiário está mais negativo a Dilma do que a Serra -embora seja preciso considerar que ela é a favorita. Algumas denúncias surgiram com força e depois se perderam em um certo vazio, como o escândalo da quebra do sigilo fiscal. No afã de esmiuçar a biografia da candidata do governo, fatos sem importância ganharam destaque indevido.

Tudo isso é verdade, mas o que os lulistas não explicam é o fato de ‘factoides’, como as denúncias de abusos na Casa Civil, terem derrubado a sucessora de Dilma. Referindo-se a Erenice Guerra, Lula disse que as ‘pessoas até podem enganá-lo por um dia, mas não enganam todo mundo todo o tempo’. Poderia ter completado: graças à imprensa. O presidente -e os ‘petistas éticos’- deveriam agradecer à mídia por colocar freios na corrupção que atinge setores do governo.

Quem perde com esse debate turvo é o leitor não militante, que gostaria de saber um pouco mais sobre o que pensam os candidatos e o que pretendem fazer.

Um balanço do noticiário desde que foi criado o caderno Eleições, em 5 de setembro, mostra que foram publicadas apenas três reportagens principais (que abriram páginas) discutindo propostas -no mesmo período, foram 64 sobre escândalos e troca de acusações entre partidos.

A disputa eleitoral pelo governo de São Paulo foi praticamente esquecida, assim como o Legislativo. Apesar de 66% dos eleitores não saberem em quem votar para deputado federal, saíram só seis textos de algum fôlego sobre o assunto. O caderno ‘Olho no Congresso’ mostrava o funcionamento e as crises da Câmara e do Senado, mas nada sobre propostas ou candidatos.

O professor de história Antonio Eduardo Santos, 50, que escreveu pela primeira vez a um jornal, resumiu bem: ‘Não é com este clima de ‘TPM jornalística’ que acrescentaremos algo à opinião pública’.’