“Com 84% da população vivendo em cidades, fica difícil sensibilizar os leitores para a importância da votação do novo Código Florestal.
Por mais que a consciência ecológica tenha aumentado nos últimos anos, assuntos como esse tendem a provocar tédio na maioria.
É nessas horas que a imprensa pode -e deve- fazer a diferença. Com muito didatismo, contextualização e análise, dá para explicar APPs , reserva legal e outras esquisitices do direito ambiental.
A Folha não tem ido bem nesse sentido. Deu o devido destaque ao assunto na Primeira Página, mas exilou o material num distante final do caderno Cotidiano, na página de Ciência.
Enquanto em Brasília poderosos lobbies de ambientalistas e de ruralistas debatiam o futuro das reservas florestais e da produção agropecuária, o assunto da capa discutia se a estação do metrô no bairro paulistano de Higienópolis deveria ficar 300 metros para lá ou para cá.
Não foi uma decisão errada do editor do caderno, porque a rixa entre 'elite' e 'gente diferenciada' foi o 'talk of the town'. O correto seria migrar esse tema para Poder.
Em março, a Folha anunciou uma reformulação no seu primeiro caderno, que passou a abarcar notícias de macroeconomia, com o objetivo de integrar os dois assuntos.
A abertura do jornal ganhou importância, o que seria mais um motivo para incluir aí uma discussão essencial como a do Código Florestal.
Basta ver as últimas notícias sobre a votação, na semana passada, na Câmara dos Deputados para perceber que tudo ali é política, não tem nada de Ciência.
Além de dar uma impressão de desprestígio, confinar a cobertura de meio ambiente àquela seção distancia notícias correlatas, como a derrota do governo com a atual situação do ministro Palocci ou o assassinato de líderes ambientalistas no Pará, e a lei florestal.
Outro pecado da Folha nessa cobertura foi a falta de variedade de fontes. A senadora Kátia Abreu (ex-DEM), que assumiu a liderança da campanha pró-mudança do Código, escreveu, em dois meses, cinco artigos, dois com chamada de capa -além de ter sido entrevistada no dia 26 de abril.
Não se trata de diminuir o espaço dado aos ruralistas, inclusive porque pesa sobre eles um imenso preconceito, mas de diversificar, de trazer novas vozes para o jornal.
O esforço didático também deixou a desejar. O jornal repetiu o mesmo infográfico várias vezes, sem nenhuma criatividade. Não explicou, por exemplo, como a mudança na lei pode afetar as cidades.
Não existe, neste momento no Brasil, um debate mais importante do que o do Código Florestal: é central para a economia, uma vez que envolve o principal setor responsável pelo superavit na nossa balança comercial, tem grande consequência política, porque expõe a tensão na base aliada dilmista, e afeta a imagem internacional do país.
É um assunto enorme, para o qual o jornal dedicou seis editoriais neste ano, mas que precisa de maior esforço na reportagem. Ainda dá tempo, já que há a votação no Senado pela frente.”